quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Como Escrever Quadrinhos

   Roteirista de quadrinhos desde 1989, Gian Danton [1] teve um começo trabalhoso, já que não havia nenhuma produção escrita que pudesse servir de auxílio para os novatos no ofício, e, como o cenário não mudou tanto assim, brinda-nos com um livro que pretende preencher essa lacuna, conduzindo o aprendiz de roteirista através do universo do ofício por meio de uma obra mista de manual e relato autobiográfico. Aliás, o autor deixa essa mistura bem clara na introdução sucinta.
   "Como Escrever Quadrinhos" foi publicado pela Editora Marca de Fantasia, fazendo parte da Série Quiosque e possuindo 108 (cento e oito) páginas divididas na já mencionada introdução, dezoito capítulos de títulos autoexplicativos (o que é muito bom, já que facilita uma posterior consulta na obra) e mais um glossário (cerca de trinta e sete termos técnicos em trinta e quatro artigos), as necessárias referências e uma pequena biografia do autor.



Gian Danton


Série Quiosque, 39

Paraíba: Marca de Fantasia, 2015,

108p. 12x20cm. R$ 25,00.

ISBN 978-85-67732-28-2


   O primeiro capítulo, intitulado “O Conflito”, apresenta a base de qualquer história, já que sem conflito não existe trama, nem drama, comédia, suspense... Enfim, não existe o que possa ser contado, sendo que, como é explicado, a trama é tradicionalmente dividida em três atos, havendo ainda o fornecimento de uma dica para a melhor distribuição deles.
   No capítulo seguinte, tem-se a explicação acerca da formatação do roteiro, centrando-se no aconselhamento para que os novatos utilizem um processo que consiste de: criação de plot (uma visão resumida da trama), decupagem do plot (um detalhamento da ação sequência a sequência) e, então, o roteiro em si. Didaticamente e sem qualquer complicação, o capítulo trás um exemplo do processo em questão, mostrando um plot, um plot decupado e um roteiro escrito a partir de um plot decupado.
   Depois desse capítulo mais técnico, o terceiro capítulo, Colocando Texto Nos Balões, descontrai a leitura ao ser bastante autobiográfico, os relatos da experiência de Gian Danton com o seu compadre Joe Benett (Bené Nascimento) exerçam a função de explicar a relação entre o texto verbal e o texto não-verbal (os desenhos) nos quadrinhos, com o destaque para o primeiro, que, basicamente, tem a função de envolver o leitor e transportá-lo para dentro da trama, como se ele a estivesse presenciando.
   Esse capítulo, porém e felizmente, é apenas a ponta do iceberg no que diz respeito ao texto verbal, pois os capítulos seguintes continuam a tratar deste elemento, essa separação sendo didática. Em "O Texto Como História dos Personagens", fala-se da necessidade de haver acerto entre o histórico de vida da personagem, bem como as suas pretensões e o momento pelo qual está passando, com a forma como ela se comunica.
   Já no quinto capítulo, O Texto Como Sensação, aborda-se a situação na qual o desenho por si só parece capaz de contar tudo o que está acontecendo, o texto verbal, então, parecendo desnecessário. Essa situação pode acontecer principalmente por conta da qualidade do desenho feito, como Gian diz ao mencionar Bené Nascimento (no terceiro capítulo também há uma menção nesse sentido, sendo citada a HQ "O Farol"), mas no capítulo em questão é utilizado como exemplo o desenho erótico pornográfico [2].
   Em "Unidade do Texto", a presença autobiográfica prossegue na Era Collor e na experiência vivida no mercado dos quadrinhos eróticos pornográficos, desta vez para abordar a necessidade de se ter uma integridade textual, um texto coeso e que se comporte como uma unidade, tudo para que se estabeleça o pacto de verossimilhança e o leitor se veja imerso.
   O sétimo capítulo, intitulado "Quanto Texto Cabe Num Balão?", é um verdadeiro "híbrido", uma vez que encerra a questão do texto verbal, tratando da capacidade de síntese que se deve ter ao escrever balões, ao mesmo tempo em que abre caminho para se falar de 1) o fato de que as histórias em quadrinhos não são literatura, 2) a necessidade de se pensar visualmente e 3) os quadros em si.
   Os pontos 1 e 2 são trabalhados conjuntamente no capítulo seguinte, Pense Visualmente, o qual serve de base para os próximos três, dos quais "O Valor de Cada Quadro na Página" (onde são identificados alguns tipos de quadros) e "Elipse" (no qual se fala da figura de linguagem que é a base das histórias em quadrinhos), tratam mais dos quadros em si, enquanto "A Caracterização Visual dos Personagens" trata do pensar visualmente, sobretudo da caracterização visual trabalhando em harmonia com o texto verbal.
   Depois disso, o décimo segundo capítulo trata da construção das personagens, abordando a importância de se dar motivação para elas no lugar de apenas determinar que são boas/más, afinal de contas, no mundo real, todo mundo tem alguma motivação para as suas ações.
   Em "O Conflito e A Jornada do Herói", Gian Danton retoma a importância do conflito para a existência de qualquer trama e discorre sobre a utilização do esquema criado por Joseph Campbell no livro "O Herói de Mil Faces" (a jornada do herói) como uma cartilha, manual, guia ou simples referência para auxiliar na construção do roteiro - ressaltando, claro, que nunca houve a pretensão de que o livro fosse um esquema rígido para se escrever histórias de sucesso, um manual ou algo do tipo.



O HEROI DE MIL FACES


   O capítulo seguinte trata exclusivamente do pacto de verossimilhança, explicando-o com ótimos exemplos e também apresentando o conceito de deus ex-machina, um recurso pouco criativo que já era presente na Grécia Antiga e que se deve evitar, entre outras coisas, por ser um ato de desonestidade com o leitor.
   Em "O Desenhista É Um Cavalo Dançarino", Gian discorre, sobre a necessidade e a importância de o roteirista saber se adaptar ao desenhista, exemplificando isso com Alan Moore, autor de um texto sobre quadrinhos cuja menção é o ponto de partida do capítulo, e com sua própria experiência na parceria com diferentes desenhistas ao longo da carreira.
   "Lendo Uma História Em Quadrinhos" apresenta a leitura crítica dos quadrinhos como um recurso muito útil para o roteirista principiante e, a exemplo do segundo capítulo, faz uma ótima "demonstração de como fazer", utilizando para isso a HQ "Castelos de Areia" (roteiro: Gerry Boudreau; desenhos: José Ortiz).
   Os dois últimos capítulos são "De Onde Você Tira Suas Ideias?" e "Alguns Roteiristas Que Você Deve Conhecer", aquele tratando do processo criativo da produção de roteiros, enquanto este, depois de explicar o motivo pelo qual não tratará de roteiristas brasileiros, apresenta uma lista de oito roteiristas mundiais.
   Por fim, a mais do que necessária obra apresenta uns poucos espaçamentos engolidos, entre duas palavras ou entre uma preposição e a palavra que a segue, por exemplo. Meras desatenções de edição, que sequer chegam perto de comprometer o entendimento ou a leitura. Aliás, a leitura é leve, fácil e envolvente, não sendo cansativa e podendo ser feita descontraidamente (penso que isso seja devido à parcela autobiográfica) durante um dia ou mesmo uma tarde.
   Enfim, "Como Escrever Quadrinhos" é realmente apropriado para quem está iniciando ou pretende iniciar como roteirista de quadrinhos, fazendo uma introdução clara no assunto e fornecendo excelentes recursos para se seguir adiante, mas também pode ser lido por quem não tem essa pretensão e apenas queira ler algo bom ou mesmo ter algum recurso a mais para usar na sala de aula - sobretudo quem lida com artes e o ensino de línguas (e literatura também, já que os quadrinhos frequentemente flertam com ela).


Esse é o Gian Danton (Ivan Carlo). Foto tirada daqui.



O livro pode ser obtido com o próprio Gian Danton, bastando contatá-lo por e-mail: profivancarlo@gmail.com.





Notas

[1] Pseudônimo de Ivan Carlo Andrade de Oliveira, roteirista deste 1989 e atualmente professor da Universidade Federal do Amapá - UNIFAP. Maiores informações podem ser conferidas AQUI.


[2] As diferenças entre o erótico e o pornográfico podem ser vistas aqui mesmo, no blog, só clicar AQUI

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