domingo, 12 de julho de 2015

Rá-Tim-Bum: A onomatopeia caluniada

     Algumas semanas atrás, uma amiga me enviou um mensagem, dessas de correntes desinformativas, pelo WhatsApp e me perguntou sobre a veracidade. Eu respondi que nunca havia encontrado nada que corroborasse aquilo e resolvi pesquisar melhor sobre.

     A mensagem em questão tratava da palavra "Rá-Tim-Bum" e trata-se de uma evolução de uma velha lorota, a qual eu ouvi pela primeira vez por volta de 2007, da boca de uma amiga recém-convertida a uma das variadas vertentes do protestantismo, vamos a ela (transcrita como a recebi) [1]:



SIGNIFICADO DE RATIMBUM!!

RATIMBUM É uma palavra mágica usada pelos magos persas na Idade Média.
Em rituais satânicos, elas eram pronunciadas assim e ao contrário fazendo o mestres dos magos surgir das cinzas e realizar os desejos de quem os proclamou.
Por muito tempo cantamos inocentemente um "parabéns" pra alguém que está aniversariando.
Mas até aqui tudo bem. O que muitos não sabem é que depois da música vem um tal de "ra tim bum" (isso significa: eu amaldiçôo você) muitos não sabem, mas os demônios se divertem em muitas festas cristãs.

Esse ratimbum é pronunciado por várias pessoas e devemos tomar cuidado porque é essa mesma a finalidade do maligno.
Muitos não sabem porque acontecem tantas coisas misteriosas depois de uma simples festa de aniversário.

A obra do maligno é essa: festejar a ruína do homem. Existiu até certo tempo um programa infantil numa determinada emissora de TV "TV Cultura SP (Castelo Ratimbum) que significa "castelo da maldição".

Reflitam: Como podemos cantar felicitando uma pessoa e depois amaldiçoa-la?

Porque depois de dizer ratimbum, se pronuncia o nome do aniversariante várias vezes...

CERTAMENTE VOCÊ JA CANTOU ISTO PRA ALGUEM???...
"É BIG É BIG É HORA É HORA RA-TIM-BUM FULANO ... FULANO" VOCÊ SIMPLESMENTE FALOU.... "É GRANDE (a ) É GRANDE, É HORA ( nessa hora, nesse momento ) É HORA, EU AMALDIÇÔO VOCÊ!!! FULANO, FULANO"

EVIDENTEMENTE VOCÊ NÃO SABIA O SIGNIFICADO... Agora que já sabe...

Repassem pra que ninguém cometa mais esse erro. Acabei de receber... 



     Como disse, na primeira vez que ouvi essa sandice, ela era oriunda de uma fonte protestante/evangélica e, a julgar pelo teor do texto que me foi repassado, essa insanidade continua sendo alimentada por certos protestantes/evangélicos (que fique claro: NÃO ESTOU GENERALIZANDO!) que, considerando coisas que já ouvi no boca-a-boca a respeito da mesma palavra, tem como intuito atacar também as religiões de matriz africana,visto que algumas versões dizem que a língua de origem de "ratimbum" seria africana. Enfim.
     O fato é que o texto não tem NENHUM embasamento, não citando qualquer fonte e ainda deturpando informações. Por exemplo, os magos persas não eram cultistas satânicos (aliás, apenas para fanáticos religiosos o mundo gira, em todos os seus aspectos, em torno de sua religião), mas sim uma tribo medo-persa relacionada à prática sacerdotal do Fogo. 





     Segundo Fabrício Marques, na reportagem "O Brasil que as Arcadas vislumbram", presente na edição 102 da Revista Pesquisa FAPESP, de agosto de 2004, a expressão "rá-tim-bum", bem como o trecho que lhe é precedente na tradicional versão brasileira da canção de aniversário, teria suas origens atreladas aos estudantes da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, da Universidade de São Paulo.


O bordão "é pique, é pique, é hora, é hora, rá-tim-bum", incorporado no Brasil ao Parabéns a você, é uma colagem de bordões dos pândegos estudantes das Arcadas da década de 1930. "É pique, é pique" era uma saudação ao estudante Ubirajara Martins, conhecido como "pic-pic" porque vivia com uma tesourinha aparando a barba e o bigode pontiagudo. "É hora, é hora" era um grito de guerra de botequim. Nos bares, os estudantes eram obrigados a aguardar meia hora por uma nova rodada de cerveja - era o tempo necessário para a bebida refrigerar em barras de gelo. Quando dava o tempo, eles gritavam: "É meia hora, é hora, é hora".

"Rá-tim-bum", por incrível que pareça, refere-se a um rajá indiano chamado Timbum, ou coisa parecida, que visitou a faculdade - e cativou os estudantes com a sonoridade do seu nome. O amontoado de bordões ecoava nas mesas do restaurante Ponto Chic, com um formato um pouco diferente do que se conhece hoje: "Pic-pic, pic-pic; meia-hora, é hora, é hora, é hora; rá, já, tim, bum".


     Ainda no mesmo texto e segundo o então diretor da faculdade, Eduardo Marchi (então, com 44 anos), isso foi parar no Parabéns a você porque "os estudantes costumavam ser convidados a animar e prestigiar festas de aniversário. E desfiavam seus hinos."
     Acontece que uma pesquisa na internet pelo tal Rajá Timbum se mostra infrutífera, levando ao link onde consta a reportagem de Fabrício Marques ou blogs e jornais que a republicaram ou se utilizaram de partes dela. Assim e tendo ciência da falta de determinados materiais bem específicos em língua portuguesa, mesmo na internet, recorri à língua inglesa, enfim encontrado um artigo na Wikipedia contendo listagens de monarcas indianos, List of Indian Monarchs, porém, nenhum dos listados referentes ao período de 1930 possui qualquer nome que soe parecido com "Timbum":


1 - (Nalvadi) Krishnaraja Wodeyar IV ou Nawaldi Krishnaraja Wadiyar IV ou Krishna Raja Wadiyar IV (1894-1940), do segundo governo da Dinastia Wodeyar, Governantes de Mysore/Khudadad;
2 - Rama Varma XVI ou Sir Sri Rama Varma XVI (1915-1932), conhecido como Madrasil Theepetta Thampuran (o rei que morreu em Madras ou Chennai), dos Maharajas de Cochin (Perumpadapu Swaroopam);
3 - Tashi Namgyal (1914-1963), dos Chogyal, monarcas de Sikkim e Ladakh;
4 - Rajaram II de Kolhapur (nascido em 1897, reinou de 1922 até 1940), dos Bhonsle Chhatrapatis de Kolhapur;
5 - Yashwantrao Holkar II ou Yashwnt Rao Holkar II ou Maharajadhiraj Raj Rajeshwar Sawai Shri Yeshwant Rao II Holkar XIV Bahadur (26 fev 1926 - 1961), dos Holkar, governantes de Indore;
6 - George Jivajirao Scindia (Maharaja: 5 jun 1925 - 15 ago 1947; Rajpramukh: 28 mai 1948 - 31 out 1956) dos Scindia, governantes de Gwalior;
7 - Maharaja Sayajirao Gaekwad III (1875-1939), Gaekwad, governantes de Baroda (Vadodara);
8 - Nawab Mir Osman Ali Khan, Asif Jah VII (1911-1948), dos Nizams de Hyderabad;
9 - Sethu Lakshmi Bayi (1924-1931) do Reino de Travancore.


     Outra explicação a qual penso que seja bem mais popular para o trecho "rá tim bum" diz que ela é derivada de "tarará-tim-bum", uma onomatopeia que imita o som de uma sequência de batidas de tambor, sequência essa, que, dizem, era convencionalmente tocada por bandinhas de percussão na abertura ou no encerramento de suas apresentações.



Ops... Devo ter googleado "parará-tim-bum" no lugar de "tarará-tim-bum", rs.

     Quanto ao programa infantil da TV Cultura mencionado no texto, o nome do mesmo se deve a outro programa infantil que foi exibido pela emissora em 1989 a 1992, o premiadíssimo programa "Rá Tim Bum", cujo nome original, segundo Silva, Gusmão, Viana e Albuquerque (2009. p.5), era Projeto Pré-Escola, somente recebendo o nome definitivo, sugerido por Edu Lobo, após ter sido concluído o projeto e alguns episódios serem gravados.



Elenco do programa "Rá Tim Bum"

     Enfim, o texto em questão é  mais uma dentre tantas tentativas por parte de determinados segmentos cristãos de querer impor à toda a sociedade algo que diz respeito a eles e somente a eles - por serem os adeptos da religião em questão e, mais especificamente, da interpretação feita dos livros que para eles são sagrados, no caso, estou falando da prática da não comemoração de aniversários, a qual seria baseada em passagens como: Eclesiastes 7:1 "Melhor é a boa fama do que o melhor unguento, e o dia da morte do que o dia do nascimento de alguém" e Romanos 13:13 "Andemos honestamente, como de dia; não em glutonarias, nem em bebedeiras, nem em desonestidades, nem em dissoluções, nem em contendas e inveja", como, inclusive, é possível atestar pelos comentários feitos na matéria da Revista Mundo Estranho, sobre A Origem da Festa de Aniversário.







     Por fim, se você comemora aniversários, ótimo, mas se não comemora, ótimo também, cada um com seu cada qual, mas querer impor suas práticas aos demais, e, pior, valer-se de mentiras para isso e até mesmo ataques à religião alheia (como disse, já ouvi alguns atribuírem o suposto significado maligno às religiões de matriz africana) não apenas é algo escroto e errado, como também chega a ser criminoso (pelo motivo relembrado no parêntese anterior) e contraditório, afinal de contas, isso não vale como falso testemunho e mesmo como a desonestidade mencionada pela mesma passagem Romanos 13:13? Além do quê, inevitavelmente gera contendas.





NOTA

[1] Embora também seja possível ver o texto, com modificações ou não, pela internet, como é o caso do site Dicionário Informal, que tem dois artigos sobre:






REFERÊNCIAS


INFANTV. Rá Tim Bum. Disponível em: <http://www.infantv.com.br/ratimbum.htm>. Acesso em: 11 Jul 2015.

MARQUES, Fabrício. O Brasil que as Arcadas vislumbram. In: Revista Pesquisa FAPESP. ed. 102. Ago. 2004. Disponível em: <http://revistapesquisa.fapesp.br/2004/08/01/o-brasil-que-as-arcadas-vislumbraram/>. Acesso em: 26 Ago 2015.

NIMER, Miguel; CALIL, Carlos Augusto. Influências orientais na língua portuguesa: os vocábulos áraves, arabizados, persas e turcos: etimologia, aplicações analíticas. p.580-1. Disponível em: <https://books.google.com.br/books?id=v2rn6WbDeZoC&pg=PA580&lpg=PA580&dq=magos+sacerdotes+persas&source=bl&ots=SoRGCVRk2h&sig=-0-zOK1ECC6Un37LeXZ0nO93k0k&hl=pt-BR&sa=X&ei=c7ChVdPlG8KdwgT04JWgCw&ved=0CEYQ6AEwCQ#v=onepage&q=magos%20sacerdotes%20persas&f=false>. Acesso em: 11 Jul 2015.

SILVA, Andréia Maria da; GUSMÃO, Diogo Lázaro; VIANA, Renata Dutra; ALBUQUERQUE, Roseane Cristina Batista. Rá-Tim-Bum - Senta, que lá vem  a história. In: INTERCOM. XIV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste - Rio de Janeiro. 7 a 9 Mai 2009. 15p. Disponível em: <http://www.intercom.org.br/papers/regionais/sudeste2009/resumos/R14-0337-1.pdf>. Acesso em: 12 Jul 2015.

SILVA, Felipe. Ratimbum. In: Dicionário Informal. 24 Out 2011. Disponível em: <http://www.dicionarioinformal.com.br/significado/ratimbum/3081/>. Acesso em: 11 Jul 2015.

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