terça-feira, 27 de outubro de 2015

A homossexualidade epigenética: Algumas considerações

   No último dia 08 de outubro, foi publicada pela versão online da Superinteressante, a matéria "Encontrada a marca genética da homossexualidade", de Fábio Morton. Nela é informado que a procura pelo famigerado "gene gay" se dá desde os anos noventa, sendo citado o estudo "The genetic of sex differences in brain and behavior", de Ngun et al (2011), e que agora cientistas da Universidade da Califórnia,em Los Angeles, encontraram uma possível causa.


A resposta não estava diretamente nos genes, mas em marcadores epigenéticos. Esses surgem de mudanças químicas que não afetam diretamente as informações do DNA, mas a forma como os genes se expressam. Podem ser transferidos dos pais aos filhos, mas também podem surgir durante a gestação ou mesmo na vida adulta, por diversos fatores, como estresse, fumo ou a dieta. E podem ser diferentes em gêmeos univitelinos, mesmo com seu DNA idêntico. (MORTON. 2015)


   Como bem observado pelo autor da matéria, isso é só um começo e, devo acrescentar, quatro dias depois de publicada, a matéria da Nature, que serviu de base, foi atualizada, informando que os métodos do estudo receberam várias críticas.


(..) Alguns estatísticos, incluindo Andrew Gelman, da Universidade de Columbia, em Nova York, disse que o estudo incorretamente apresentou seus resultados como estatisticamente significativos. O co-autor do estudo, Tuck Ngun, da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, já contestou esta e outras críticas estatísticas, embora tenha reconhecido outra crítica, que seu estudo foi de baixa potência. Ele ainda não disponibilizou todos os pormenores de sua análise, mas disse que ele e seus colaboradores emitirão um comunicado.


   A crítica do estatístico Andrew Gelman pode ser lida no site dele, é o texto "Gay gene tabloid hype update", enquanto a resposta de Tuck Ngun pode ser lida no Viz Bang!, estando intitulada "A response/rebuttal to Ed Yong's article in the Atlantic about my talk at ASHG 2015". O seu reconhecimento de que os resultados do estudo são de baixa potência também se encontrando no Viz Bang!, como "A brief digression from pretty pictures". Agora, para entender o porquê de tais resultados serem realmente de "baixa potência", recomenda-se a leitura do artigo "Points of significance: Power and sample size", de Martin Krzywinski e Naomi Altman (2013; 2015).




   Enfim, o fato é que esses estudos relacionantes da homossexualidade com os marcadores epigenéticos não são novidade, William Rice, que foi ouvido por Sara Reardon para a matéria da Nature, sendo co-autor de "Homosexuality as a consequence of epigenetically canalized sexual development" (Homossexualidade como uma consequência do desenvolvimento sexual canalizado epigeneticamente), o primeiro estudo abordando a possibilidade e que foi publicado em dezembro de 2012, no The Quartely Review of Biologie, periódico da Universidade de Chicago. A diferença é que, enquanto o estudo mais antigo deu os primeiros passos ao fazer a relação entre a homossexualidade e as epimarcas, o mais recente alegando ter encontrado as epimarcas relacionadas à supracitada condição.
   Então, independentemente de o estudo mais recente ter ou não encontrado as tais marcas epigenéticas para a homossexualidade, sendo que, obviamente, mais e mais estudos deverão ser feitos até que haja certeza, alguns questionamentos me vieram à mente depois de ler sobre o assunto, me motivando a escrever este texto, sendo eles, na ordem em que surgiram:


1) Sabendo que as epimarcas podem surgir no decorrer da vida devido a fatores diversos, então, depois de identificado qual fator leva ao surgimento da epimarca da homossexualidade, seria possível provocar deliberadamente o surgimento de tal marca epigenética?

2) Se as marcas epigenéticas surgem e, aparentemente, não possuem caráter definitivo, elas poderiam ser eliminadas?

3) Caso confirmem quais são as marcas epigenéticas da homossexualidade, quais fatores provocam o surgimento das mesmas e o que seria possível fazer para as eliminar, de modo que um indivíduo, que assim quisesse, deixaria de ser homossexual ou asseguraria que sua prole não nasceria com a epimarca correspondente, qual seria a resposta dos movimentos LGBT?


   Perceptivelmente, esse é um assunto que pode render muita treta. Então, vamos às respostas, não necessariamente na ordem em que foram feitas as perguntas, mas, antes, cabe um reforço acerca do que são as marcas epigenéticas. Fontappié (2013) diz que:


A epigenética é definida como modificações do genoma que são herdadas pelas próximas gerações, mas que não alteram a sequência do DNA. Por muitos anos, considerou-se que os genes eram os únicos responsáveis por passar as características biológicas de uma geração à outra. Entretanto, esse conceito tem mudado e hoje os cientista sabem que variações não-genéticas (ou epigenéticas) adquiridas durante a vida de um organismo podem frequentemente serem passadas aos seus descendentes. A herança epigenética depende de pequenas mudanças químicas no DNA e em proteínas que envolvem o DNA. Existem evidências científicas mostrando que hábitos da vida e o ambiente social em que uma pessoa está inserida podem modificar o funcionamentos de seus genes.


   Deste modo, Lamarck, aquele carinha cujas ideias exemplificadas pelo exemplo do pescoço das girafas que todos nós estudamos (imagino) quando jovens,  digo, mais jovens, não estava de todo equivocado. Aliás, segundo Hennemann (2013), foram os estudos de Jean-Baptiste Lamarck (1744-1829) sobre assimilação de caracteres adquiridos por informação ambiental que serviram de base para os trabalhos de Gregor Mendel (1822-1884), do britânico William Bateson (1861-1926) e de Conrad Hal Waddington (1905-1975).


Impossível falar de Lamarck e não lembrar das girafas. Ó elas aí.

   Ela, Hennemann (2013), também informa que Bateson, a partir dos trabalhos de Mendel, cunhou (1905) o termo genética como relacionado à hereditariedade e variação dos organismos, Waddington posteriormente definindo a "epigenética" como o ramo da biologia que estuda as interações causais entre genes e seus produtos, que trazem os fenótipos a ser", também cunhando o termo epigenetic landscape (paisagem epigenética), o qual utilizou com modelos conceituais da forma como os genes podem interagir com o ambiente para produzir um fenótipo, demonstrando que as ideias de herança apresentadas por Lamarck poderiam ocorrer. Mas enfim, vamos ao que interessa (lembrando que minhas considerações não são verdades absolutas e posso estar equivocado numa ou noutra).
   A resposta para as duas primeiras perguntas é "sim". Uma vez identificado o fator que leva ao surgimento de uma determinada epimarca, teoricamente seria sim possível provocar o surgimento dela em que não tem, isso sendo válido também para a epimarca da homossexualidade, mas, ora vejam só, também seria possível alterá-la, removê-la, eliminá-la, pois "ao contrário de mutações genéticas, as marcas epigenéticas podem ser revertidas" (HENNEMANN, 2013).
   Tanto podem que, como Hennemann (2013) diz ao tratar do assunto, o US Food and Drug Administration (US FDA) já aprovou várias drogas que trabalham para melhorar a saúde através da modificação de marcas epigenéticas. Por exemplo, no abstract (resumo) de "Epigenetics and Oncology" (Epigenética e oncologia), Mummaneni e Shord (2014) informam que a US FDA aprovou quatro fármacos anti-cancerígenos direcionados ao epigenoma (ou epigenomo-direcionados).
   Isso nos leva à terceira questão, pois, se drogas anti-cancerígenas de modificação epigenética já foram aprovadas e os estudos continuam, para outras doenças, o que impediria que, uma vez descobertas quais as epimarcas da homossexualidade, alguém, alguma empresa ou mesmo algum governo inventasse de produzir algum fármaco para modificar essa epimarca? [1] Aparentemente nada, ou quase nada. Na verdade, dependeria do movimento LGBT fazer ou não alguma pressão sobre (tal como foi feito em relação à Organização Mundial da Saúde, dizem), motivo pelo qual fiz o questionamento acerca da resposta do mesmo.
   E a resposta que eu dou para a terceira pergunta é um "não sei ao certo", pois talvez ainda nem tenham parado para pensar a respeito, mas penso que muito provavelmente o movimento sofreria uma divisão, colocando de um lado aqueles contrários à utilização de um eventual método de reversão da homossexualidade; e, de outro, aqueles favoráveis à utilização, desde que voluntária (e sem propaganda, talvez).
   Agora, se por um lado certamente surgiriam "pílulas de cura-gay" (como provavelmente certos líderes de certos grupos religiosos - potenciais investidores de tais fármacos - denominariam)...


"Você telespectadora, adoraria que aquele seu amigo gay fosse mais do que amigo
e bem menos gay? Seus problemas acabaram!!! Com uma dose diária de Viravaronil
durante dois meses e ele logo logo estará pronto para lhe usar!!!"
Viravaronil é mais um produto das Organizações Tobamara!


   ...Nada impediria o igual surgimento de drogas capazes de homossexualizar alguém. E nome para esse tipo de fármaco não faltaria: pílula colorida, pílula do arco-íris, pílula da alegria ou mesmo kriptonita rosa [2].




   Mas por qual motivo alguém resolveria deliberadamente fazer uso de um fármaco para mudar sua sexualidade? Em relação aos homossexuais, um dos motivos seria a melhor integração em determinado grupo (leia-se: comunidade religiosa de que participa, a própria família, etc.). Agora, em relação aos heterossexuais, eu realmente não faço ideia, pois é como muitos militantes LGBT e não-militantes afirmam: por que alguém iria escolher pertencer a uma condição que é discriminada? Curiosidade? Masoquismo? Pagamento de aposta? Quem sabe.
   Por fim, existe aquela sempre aterradora possibilidade que gira em torno do imenso e esmagador poder governamental. Por exemplo, um país de maioria populacional avessa à homossexualidade poderia tanto dar a opção (leia-se: oferecer benefícios para quem optasse) aos seus cidadãos homossexuais pela "conversão de sexualidade" quanto poderia simplesmente obrigá-los a isso.
   Esse último cenário é muito mais provável do que o seu oposto, isto é, um governo obrigando à população a se homossexualizar, numa espécie de "ditadura gayzista" real - porém, ainda assim seria possível um governo fazer uso disso, talvez como forma de tentativa de controle populacional [3], e eu primeiramente pensei na China como o país mais propenso a fazer uma tentativa dessas, mas depois dei um pesquisada, me deparei com o artigo "Gays cedem à pressão social na China com casamento 'de fachada'" e mudei de ideia, concluindo que dificilmente um país adotaria tal medida em relação à sua população.





NOTAS

[1] Pelo amor de todos os deuses de todos os panteões que já existiram, existem ou virão a existir: eu não estou dizendo que a homossexualidade é uma doença, apenas estou dizendo que, como as pesquisas inicialmente estão centradas em torno de doenças relacionadas a marcas epigenéticas, o progressivo mapeamento epigenético poderia levar a uma verdadeira indústria de fármacos com o propósito de provocar o surgimento de uma marca ou alterar uma já existente, a mesma estando relacionada a uma doença (Ex.: câncer) ou não (Ex.: homossexualidade).

[2] As histórias do Superman contam com uma variedade incrível de kriptonitas, dentre as quais a kriptonita rosa, que fazia o Superman virar gay.

[3] Desde que também existissem empecilhos para o acesso dos "homossexualizados" a métodos de inseminação artificial e uma fiscalização muito, muito grande.






REFERÊNCIAS

CARVALHO, Ricardo. Homossexualidade pode ser influenciada pela epigenética. In: VEJA. Publicado em: 12 Dez 2012. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/homossexualidade-pode-ser-influenciada-pela-epigenetica/>. Acesso em: 22 Out 2015.

FANTAPPIÉ, Marcelo. Epigenética e memória celular. In: REVISTA CARBONO. Dossiê. nº 3. 2013. ISSN 2358-8047. Disponível em: <http://revistacarbono.com/artigos/03-epigenetica-e-memoria-celular-marcelofantappie/>. Acesso em: 26 Out 2015.

GELMAN, Andrew. Gay gene tabloid hype update. Publicado em: 10 Out 2015. Disponível em: <http://andrewgelman.com/2015/10/10/gay-gene-tabloid-hype-update/>. Acesso em: 22 Out 2015.

HENNEMANN, Ana Lúcia. Epigenética. Publicado em: 11 Mar 2013. Disponível em: <http://neuropsicopedagogianasaladeaula.blogspot.com.br/2013/03/epigenetica.html>. Acesso em: 26 Out 2015.

KRZYWINSKI, Martin; ALTMAN, Naomi. Points of significance: Power and sample size. In: Nature Methods. n 10. ISSN 1139-1140. Publicado em: 26 Nov 2013. Atualizado em: 03 Ago 2015. Disponível em: <http://www.nature.com/nmeth/journal/v10/n12/full/nmeth.2738.html>. Acesso em: 22 Out 2015.

MORENA, Fernanda. Gays cedem à pressão social na China com 'casamento de fachada'. Atualizado em: 05 Fev 2013. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/02/130204_gays_china_fa_ra.shtml>. Acesso em: 27 Out 2015.

MORTON, Fábio. Encontrada a marca genética da homossexualidade. In: SUPERINTERESSANTE. Publicado em: 08 Out 2015. Disponível em: <http://super.abril.com.br/ciencia/encontrada-a-marca-genetica-da-homossexualidade?utm_source=redesabril_jovem&utm_medium=facebook&utm_campaign=redesabril_super>. Acesso em: 08 Out 2015.

MUMMANENI, Padmaja; SHORD, Stacy S. Epigenetics and oncology. In: Pharmacotherapy: The journal of human pharmacology and drug therapy. Vol. 34 Issue 5 Publicado em: Mai 2014. p.495-505. Abstract disponível em: <http://www.accessdata.fda.gov/scripts/publications/search_result_record.cfm?id=49300> e <http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24619798>. Abstract e texto completo disponível (mediante pagamento) em: <http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/phar.1408/abstract;jsessionid=09F4EEAFBD79D8A0A75F6DD5ED0B64E6.f04t03>. Acesso em: 27 Out 2015.

NGUN, Tuck C.; GHAHRAMANI, Negar M.; SÁNCHEZ, Francisco J.; BOCKLANDT, Sven; VILAIN, Eric. The genetic of sex differences in brain and behavior. In: Frontiers in Neuroendocrinology. Vol. 32. Issue 2. p.227-246. Publicado em: Abr 2011. Abstract disponível em: <http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20951723>. Trabalho completo disponível em: <http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3030621/>. Acesso em: 24 Out 2015.

NGUN, Tuck C.; GUO, W.; GHAHRAMANI, Negar M.; PURKAYASTHA, K.; CONN, D.; SÁNCHEZ, Francisco J.; BOCKLANDT, Sven; ZHANG, M.; RAMIREZ, C.M.; PELLEGRINI, M.; VILAIN, Eric. PgmNr 95: A novel predictive model of sexual orientation using epigenetic markers. In: American Society of Human Genetics - ASHG. Apresentado em: 08 Out 2015. Disponível em: <https://ep70.eventpilotadmin.com/web/page.php?page=IntHtml&project=ASHG15&id=150123267>. Acesso em: 22 Out 2015.

NGUN, Tuck C. A brief digression from pretty pictures. In: Viz Bang! Publicado em: 09 Out 2015. Disponível em: <http://vizbang.tumblr.com/post/130817769270/a-brief-digression-from-pretty-pictures?is_related_post=1>. Acesso em: 22 Out 2015.

NGUN, Tuck C. A response/rebuttal to Ed Yong's article in The Atlantic about my talk at ASHG 2015. In: Viz Bang! Publicado em: 10 Out 2015. Disponível em: <http://vizbang.tumblr.com/post/130904633310/a-responserebuttal-to-ed-yongs-article-in-the>. Acesso em: 22 Out 2015.

REARDON, Sara. Epigenetic 'tags' linked to homosexuality in men. In: NATURE. Publicado em: 08 Out 2015. Atualizado em: 12 Out 2015. Disponível em: <http://www.nature.com/news/epigenetic-tags-linked-to-homosexuality-in-men-1.18530#/b1>. Acesso em: 22 Out 2015.

RICE, William R.; FRIBERG, Urbano; GRAVILETS, Sergey. Homosexuality as a consequence of epigenetically canalized sexual development. In: The University of Chicago Press. The Quarterly Review of Biology. Vol. 87, nº 4, Dez 2012. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/10.1086/668167>. Acesso em: 23 Out 2015.

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