sábado, 26 de setembro de 2015

Sobre "Verdades Secretas"

   A novela das onze, "Verdades Secretas", pode ser considerada como uma daquelas produções que mostram o porquê de não se dever desmerecer tão levianamente a Globo, embora tal emissora cometa equívocos (às vezes por pura teimosia) aqui e ali.


O título em si já é provocativo,
ou "verdades secretas" não remetem a "hipocrisia"?

   Digo isso não apenas porque, em meio a uma situação nacional que acabou efervescendo uma espécie de cabo de guerra entre os públicos das emissoras Record e Globo, a produção conseguiu atrair e dialogar com os mais diversos públicos sem ser inundada por críticas tais como as que interferiram negativamente no desenrolar da telenovela "Babilônia", mas também porque "Verdades Secretas" serviu como um teste, cujos resultados, a julgar pela receptividade e repercussão da trama, poderão se tornar corriqueiros nas próximas novelas - e eu espero sinceramente que isso ocorra em relação a quase tudo.
   Além de todo o aspecto técnico que distingue "Verdades Secretas" das outras novelas, como a iluminação diferenciada, por vezes mais próxima de uma iluminação natural, os ângulos de câmera e a quase inexistência da tradicional "didática teledramatúrgica" (onde as personagem praticamente explicam tudo o que estão fazendo, sentindo e pensando, tal como numa historieta de Telecurso 2000, entre outras coisas), que são mais próprias de ver em produções cinematográficas, a produção ainda se destaca por conta das temáticas abordadas.


E conforme a câmera foi se aproximando,
o rosto de Arlete/Angel foi ficando desfocado, com aspecto quase demoníaco.

   "Verdades Secretas" falou de praticamente TUDO e de diferentes maneiras, algumas coisas sendo abordadas explicitamente, enquanto outras foram aparentemente deixadas de lado para serem discutidas sutilmente no fim da trama. Dentre tais temas, houve:

I - O relacionamento romântico ao estilo "eu escolhi esperar", representado por Bruno Ticiano (João Vitor Silva) e sua primeira paixão;

II - O relacionamento não-romântico entre uma pessoa mais velha e outra consideravelmente mais nova, representado sobretudo por Fanny Richard (Marieta Severo) e Anthony Mariano (Reynaldo Gianecchini);

III - O relacionamento à três de conveniência e bissexual, como no caso de Anthony, o francês Maurice Sanjan e Giovanna (Agatha Moreira);

IV - O homossexual que se comporta como heterossexual quando se embebeda, tal como Visky (Rainer Cadete);

V - O relacionamento inter-racial e o ciúme obsessivo, representado por Lyris (Jéssica Cores) e Edgard (Pedro Gabriel Tonini);



Jéssica Cores como Lyris. Foto: Globo.

V - Aliás, Lyris também representou outra temática: a escassez de pessoas de pele escura em mercados como o da moda;

VI - O consumo e o vício de drogas foi amplamente debatido e sobre diferentes formas, mostrando: a pessoa que consome moderadamente, sem ser "viciada", tal como Guilherme Lovatelli (Gabriel Leone); a pessoa que começa a consumir coisas mais "leves" passando para outras cada vez mais pesadas, até transformar-se numa espécie de zumbi, como muito bem retratado por Roy (Flávio Tolezani) e Larissa (Grazi Massafera, talvez a única ex-BBB que efetivamente deu certo e dá muito orgulho), sendo que Larissa também retratou as pessoas que realmente conseguem sair desse mundo; e, a pessoa que não consumia nada e começa logo por uma coisa como a cocaína, tal como no caso do Bruno, utilizado para sutilmente demonstrar que a maconha não necessariamente é "a porta de entrada para outras drogas";

VII - O trabalho de recuperação social que alguns (infelizmente não todos) grupos cristãos (no caso da novela, eram evangélicos) efetuam, resgatando pessoas do mundo das drogas, por exemplo;

VIII - A sexualidade humana foi amplamente debatida (ex.: o diálogo entre o "ligadaço" Bruno e o padastro sobre a teoria de que todo ser humano é bissexual e não sabe, o Personal Sex dizendo que não concorda, pois tem um irmão que é gay, e tudo bem, enquanto ele só se interessa por mulheres) e de maneira fluída, não havendo tanto embate sobre aceitação e não aceitação, exceto pelo temor de Alexandre Ticiano (Rodrigo Lombardi) a respeito da possível homossexualidade do seu único filho varão;

IX - A "terceira idade" ou velhice também foi bastante discutida, passando por questões como a aceitação do indivíduo de que envelheceu, as necessidades afetivo-sexuais, os relacionamentos durante a velhice e a velha questão: "manter por perto ou internar num abrigo"? Sem contar a preocupação demonstrada por Anthony em relação à qualidade do abrigo, o que também passa pela temática dos maus-tratos aos idosos;

X - A questão da friendzone ou zona do amigo também foi abordada, por meio da relação entre Arlete/Angel (a estreante Camila Queiroz) e Eziel (Felipe Hintze);

XI - Os diferentes arranjos familiares também foram abordados, embora toda a variedade de que "Babilônia" fez uso;

XII - A prostituição em algumas agências de modelo, o tal book rosa,  também foi retratada, sendo parte do estopim de toda a trama;

XIII - O estupro também não foi deixado de lado, sendo abordada tanto a questão do falso estupro (caso de Lyris e Alexandre), quanto a do estupro verdadeiro (caso de Larissa, estuprada por viciados);

   Por fim, pelo menos cinco temas delicados foram trabalhados conjuntamente por meio de Alexandre Ticiano, Arlete/Angel e Carolina (Drica Moraes), sem se dar nome a tais bois, no caso: o relacionamento não-romântico (sim, é um tema pra lá de complicado, havendo pessoas, principalmente mulheres, segundo o que eu observo, que creem firmemente que todo relacionamento afetivo-sexual só se dá se o for romanticamente, idealizadamente, tomando qualquer coisa que não pareça com isso como ofensa ou similar), o relacionamento incestuoso (mesmo não sendo familiares de sangue, Alex e Arlete constituíam uma família juntamente com Carolina e o relacionamento deles constitui um incesto, talvez não legalmente, mas conceitualmente...), o suicídio (tema muito delicado por conta, principalmente, dos fundamentos cristãos de nossa sociedade, aliás, para quem é de Macapá, dia 27/09 haverá o "Psicologia nas Ruas: Por que é importante falar de suicídio?"), o porte de armas pelo cidadão civil (certo, tecnicamente, Carolina era filha de policial militar, mas ela era uma civil) e, brilhantemente (eu achei), a capacidade de um menor de idade cometer crimes bárbaros de maneira fria e calculista, o que casa com a discussão tão atual da redução da maioridade penal.
   Sim, essa questão também foi abordada e, se você não percebeu, só mostra o quão sutil foi tal abordagem, pois a ainda menor de idade Arlete/Angel premeditou minuciosamente o assassinato de seu amante, Alexandre Ticiano, fato observável não apenas pelo momento quando ela diz que esperava pela vinda dele, quanto pela ida dela à casa da avó para pegar a arma ("uma coisa que eu esqueci lá", ela disse, mais ou menos) e pela cena em que ela limpa cuidadosamente a lancha suja de sangue.





   E, com essa cena, é levantada a questão de "como uma jovem menor de idade pode premeditar tudo isso e agir como agiu, não demonstrando remorso, e ao mesmo tempo se colocar uma pobre e indefesa vítima de um homem mais velho para justificar tal ato"? Questão essa, se o menor de idade criminoso é uma mera e pobre vítima da sociedade (representada por Alexandre Ticiano, que alguém de esquerda definiria como "um homem branco, cisgênero, heterossexual e um rico empresário machista") ou uma pessoa que sabe perfeitamente o que faz e quais as consequências de seus atos.
   Enfim, foi uma ótima produção, como não se vê já tem algum tempinho, eu só tenho minhas dúvidas quanto à realização de uma segunda temporada, o que dá um ar de "série" para a produção, sendo que a mesma consta na seção "novela", no site da Globo e tenha sido assim apresentada o tempo todo. Ok, a Record já fez novela com temporadas, tal como "Mutantes" e "Mutantes: Caminhos do Coração", mas, dúvidas à parte, o fato é que a continuação já foi confirmada. E vocês, o que acharam da novela? Concordam com uma continuação?


Caso você não tenha conseguido assistir ao final de "Verdades Secretas" ou queria rever, é possível fazê-lo no site da Globo, mas somente até as 23h00 deste domingo, 27 de setembro.




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