domingo, 13 de setembro de 2015

O "ex" ou "ainda" Território do Amapá?

   Segundo Pena, embora não haja um consenso exato acerca do que, simplificadamente, seja um "território", o mesmo pode ser compreendido como espaço geográfico apropriado e delimitado por relações de soberania de poder, podendo ou não ter fronteiras fixas e muito bem delimitadas.
   Assim, o Brasil possui um território de fronteiras fixas e muito bem delimitadas, mas que não é o Brasil em si, apenas o seu espaço geográfico delimitado, sobre o qual o Brasil é soberano. Sim, há territórios cujas populações ocupantes não são soberanas, um dos mais conhecidos exemplos, talvez, sendo o território do povo Basco, distribuído entre o sudoeste da França e o norte da Espanha. Entretanto, ainda assim o território dos bascos é um país, o País Basco, mas não é um Estado [1].



O País Basco.

   Havendo o território e características físicas, naturais, econômicas, sociais, culturais e outras (a noção de "povo" ou "povos" obviamente abrangendo muitas dessas características), há um país, mas para se ter um Estado é preciso haver um conjunto de instituições públicas que administre tudo isso, conjunto esse que, grosso modo, pode ser identificado como "governo", uma vez que escolas, hospitais públicos, departamentos de política e outras instituições encontram-se submetidas ao mesmo ou sejam constituintes dele.
   Portanto, quando, de 07 de setembro (Independência) a 24 de março de 1824 (Outorga da Constituição brasileira de 1824), o território e o(s) povo(s) constituintes do país soberano denominado Brasil passam a ter um governo próprio e independente de Portugal, formou-se um Estado, no caso, o Império do Brasil, que posteriormente se tornaria a República Federativa do Brasil.


Questão de "maiusculinidade"

   Entretanto, existem Estados e estados, a diferença sendo que estes (também chamados de unidades federativas ou províncias, dependendo do país/Estado) integram aqueles (cujo "e" inicial deve ser maiúsculo). Noutras palavras, o conjunto maior de instituições públicas que administram um país se subdivide em conjuntos menores de instituições públicas, os quais administram o que se pode considerar como países menores.
   A fim de exemplificar isso, retomemos o exemplo do País Basco e imaginemos que o mesmo obtenha o seu próprio conjunto de instituições públicas, submetido simultaneamente à França e à Espanha, se tornando uma só unidade administrativa de ambas [2]. Como tal, o mesmo poderia vir a alcançar mais facilmente a sua tão sonhada independência, tornando-se um Estado Pleno após finalmente obter a soberania.
   Outros exemplos, que não nos são distantes nem no tempo, nem no espaço e muito menos da realidade, são os movimentos separatistas que afligiram o Brasil no século XIX: a Cabanagem, que compreendeu o Pará e o meu Amapá (1835-1840); a Confederação do Equador, principiada em Pernambuco e espalhada para outros estados do nordeste (1824); e a Guerra dos Farrapos, no Rio Grande Sul e proximidades (1835-1845).



Os Territórios Federais

   Dito tudo isso, tem-se ainda os chamados "territórios federais", que além de "terem verba federal e gestor indicado pela presidência" (LEÃO, 2011), diferem dos estados de muitas maneiras, a começar pelo fato de não serem entidades federativas, mas sim autarquias federais integrantes da união e sem autonomia política, ainda que passíveis de subdivisão em municípios. Podem ser: originados do desmembramento de um ou mais estados; transformados em estados; ou reintegrados ao(s) estado(s) de origem.
   A competência pela organização e manutenção do Poder Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública nos territórios é da União, sendo que a presença de órgãos judiciários de primeira e segunda instância, bem como de membros do Ministério Público e de defensores públicos federais só se dá em territórios com mais de 100 mil habitantes.
   O Poder Legislativo, por sua vez, pode ser manifesto por uma Câmara Territorial com membros eleitos, ainda que a competência pela sua típica função de controle externo da Administração do Território seja do Congresso Nacional.
   Fora isso, a polícia militar e o corpo de bombeiros do território ficam subordinados ao Governador do mesmo, enquanto as contas do Governo Territorial são subordinadas ao Congresso Nacional, a União podendo (nas hipóteses constitucionais) intervir nos municípios de um Território Federal, quando o mesmo for dividido em tais unidades. Os territórios também podem eleger 04 representantes para a Câmara dos Deputados, mas nenhum para o Senado e os impostos estaduais de um Território Federal são de competência da União, sendo que, quando o território não é subdividido em municípios, os impostos municipais também o são cumulativamente.
   Por fim, as leis que tratam de organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração do territórios, servidores públicos dos territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, bem como estabilidade e aposentadoria, e normas gerais para a organização o Ministério Público e da Defensoria Pública dos territórios são de iniciativa privativa do Presidente da República.



Ainda somos Território Federal?

   Acre, Amapá, Rio Branco, Ponta Porã, Guaporé, Iguaçu e Fernando de Noronha já foram territórios federais e, enquanto Fernando de Noronha, Ponta Porã e Iguaçu foram reincorporados aos estados de origem (respectivamente: Pernambuco; Mato Grosso do Sul, em 1946, e Paraná & Santa Catarina, também em 1946), os demais viraram estados, Acre (que fora o primeiro território federal, em 1904) tendo sido o primeiro. Guaporé, por sua vez, virou o estado de Rondônia. Rio Branco e o Amapá foram dois dos três últimos territórios federais (o outro sendo Fernando de Noronha), passando à condição de estado em 1988, aquele virando Roraima, enquanto este manteve o nome.





   Amapá, terra disputada por portugueses e franceses, incorporada ao território do Pará e transformada em território no dia 13 de Setembro de 1943, através do Decreto-Lei nº 5.812, o mesmo que criou Rio Branco, Guaporé, Ponta Porã e Iguaçu, teve ... Governadores Territoriais:

Janary Gentil Nunes (27 de dezembro de 1943 - setembro de 1954; outubro de 1954 - 05 de fevereiro de 1956);
Theodoro Arthou (25 dias, de setembro a outubro de 1954);
Amilcar da Silva Pereira (05 de fevereiro de 1956 - 17 março de 1961);
José Francisco de Moura Cavalcante (17 de março 1961 - 23 de setembro de 1961);
Mário de Medeiros Barbosa (interino, 23 de setembro de 1961 - 21 de outubro de 1961);
Raul Monteiro Valdez (21 de outubro de 1961 - 26 de novembro de 1962);
Terêncio Furtado de Mendonça Porto (26 de novembro de 1962 - 12 de abril de 1964);
Luís Mendes da Silva (12 de abril de 1964 - 10 de abril de 1967);
Ivanhoé Gonçalves Martins (10 de abril de 1967 - março de 1972);
José Lisboa Freire (março de 1972 - 15 de março de 1974);
Arthur de Azevedo Henning (abril de 1974 - março de 1979);
Anníbal Barcellos (15 de março de 1979 - julho de 1985);
Jorge Nova da Costa (interino de 10 de julho de 1985 - 03 de abril de 1986; efetivo de 04 de abril de 1986 - 18 dezembro de 1988; ficou até abril de 1990);
Doly Mendes Boucinha (abril - maio de 1990);
Gilton Pinto Garcia (provisório, de 25 de maio a dezembro de 1990).

   Note que, mesmo tendo deixado de ser território federal, o Amapá permaneceu gerido por governadores nomeados pela presidência até dezembro de 1990, o primeiro governador eleito em outubro de 1990 assumindo em 1991 e sendo ninguém mais ninguém menos que o ex-Governador Territorial Anníbal Barcellos, alcunhado de "Comandante".





   Não sei se por isso ou outro motivo desconhecido, talvez um desejo "secreto" de permanecer tutelado pela União ou uma espécie de alívio pelo separação do estado vizinho, mas no estado do Amapá uma comemoração e um esquecimento são religiosamente feitos a cada ano e eu nunca entendi o porquê: enquanto em todo 13 de setembro se comemora o "Dia da criação do Território do Amapá" com desfiles cívicos no sambódromo [3], passa-se o 05 de outubro, "Dia da criação estado do Amapá", em um branco terrivelmente ofuscante, sem sequer um grito de "Pega Porra!!!" ou algo do tipo. Enfim, pelo visto, ainda somos território.





NOTA

[1] Embora o mesmo conte com um Parlamento próprio desde 1980


[2] Atualmente, nenhuma das duas porções do País Basco tem soberania, a sua região norte sendo a parte mais ocidental do departamento (prefeitura) francês dos Pirineus Atlânticos, dentro da qual integra a subprefeitura de Bayonne, enquanto a do sul é uma comunidade autônoma da Espanha. Se uma dessas duas porções viesse a se tornar um Estado, a outra porção não faria parte dele automaticamente, por isso o exemplo hipotético dado.

[3] Este ano, por exemplo, os desfiles cívicos das escolas foram programados para os dias 05, 12 e 13 de setembro, todos em um misto de comemoração pelo 07 de setembro e pelo 13 de setembro, mas nada há de previsto para o 05 de outubro.





REFERÊNCIAS

ANTONELLI, Diego. Um território chamado Iguaçu. In: GAZETA DO POVO. Vida e Cidadania. Publicado em: 26 Jul 2013 (27 Jul 2013 na edição impressa). Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/um-territorio-chamado-iguacu-bky41lfjwksv2j8j851ds9etq>. Acesso em: 13 Set 2015.

LEÃO, Naiara. Como ficaria o Brasil com os novos Estados. In: IG. Último Segundo. Publicado em: 15 Mai 2011, 07h00min. Disponível em: <http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/como+ficaria+o+brasil+com+os+novos+estados/n1596951280714.html>. Acesso em: 12 Set 2015.

MORAIS, Paulo Dias. Governadores do Amapá: Principais realizações. Macapá: JM Editora Gráfica, 2009. 104p.

MUNDO ESTRANHO. O que é o País Basco? In:___. Geografia. Disponível em: <http://mundoestranho.abril.com.br/materia/o-que-e-o-pais-basco>. Acesso em: 13 Set 2015.

NAVARRO, Roberto. Quais estados brasileiros já tentaram ser independentes? In: MUNDO ESTRANHO. História. ed. 47. Jan 2006. Disponível em: <http://mundoestranho.abril.com.br/materia/quais-estados-brasileiros-ja-tentaram-ser-independentes>. Acesso em: 12 Set 2015.

NOVAES, Vinicius Souza. Territórios Federais. Publicado em: 30 Mar 2012. Disponível em: <http://vsnovaes.blogspot.com.br/2012/03/territorios-federais.html>. Acesso em: 13 Set 2015. 

OLIVEIRA, Luciano. Território Federais na Constituição Federal de 1988. In:___. Diretório Jurídico. Publicado em: 07 Jan 2013. Disponível em: <http://diretoriojuridico.blogspot.com.br/2013/01/territorios-federais-na-constituicao.html>. Acesso em: 12 Set 2015.

PENA, Rodolfo F. Alves. Diferenças entre Estado, País, Nação e Território. In: MUNDO EDUCAÇÃO. Geografia Humana. Publicado em: Data desconhecida. Disponível em: <http://www.mundoeducacao.com/geografia/diferencas-entre-estado-pais-nacao-territorio.htm>. Acesso em: 12 Set 2015.

RECCO, Claudio Barbosa; CATARIN, Cristiano Rodrigo; BANDOUK, Gabriel Luiz. ETA, o País Basco e a autoderminação. In:___. Atualidades. Disponível em: <http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=195>. Acesso em: 13 Set 2015.

REUTERS. País Basco proclama direito à autodeterminação na Espanha. In: G1. Mundo. Publicado em: 29 Mai 2014. Disponível em: <http://g1.globo.com/mundo/noticia/2014/05/pais-basco-proclama-direito-a-autodeterminacao-na-espanha.html>. Acesso em: 13 Set 2015.

TERRA. Conheça o histórico da divisão territorial do País. In:___. Brasil. Publicado em: 19 Mai 2011. Disponível em: <http://noticias.terra.com.br/brasil/conheca-o-historico-da-divisao-territorial-do-pais,b1e90970847ea310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html>. Acesso em: 13 Set 2015.

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