sexta-feira, 10 de julho de 2015

Sobre os Templários

"Os templários, com seus mantos brancos e a cruz vermelha, são os mais excelentes soldados. Quando dirigem-se à batalha, o fazem em silêncio. Quando atacam, são absolutamente terríveis: sempre os primeiros a mergulhar no combate e os últimos a sair. Com tudo terminado, ajoelham-se no campo de batalha e em coro repetem o salmo de Davi: 'Não a nós, Senhor, não a nós, mas ao teu nome dá glória'".
- Anônimo, entre os séculos XII e XIII (ONÇA. 2005)




Prévias

     No ano de 637, ano 16 da Hégira, o califa Omar conquistou Jerusalém para os muçulmanos, mas as dificuldades para os peregrinos cristãos só se tornariam graves séculos mais tarde. Em 1062, o Papa Alexandre II concedeu o perdão dos pecadores a quem combatesse os muçulmanos e já a partir do ano seguinte surgem movimentos militares contra muçulmanos,



Templários. Litografia. Autor desconhecido. c.180



     Entretanto, apesar dessas movimentações militares, a Primeira Cruzada somente ocorreria algumas décadas depois, após o Papa Urbano II pedir, no Concílio de Clermont (1095), a ação de líderes cristãos para afastar o perigo muçulmano, e duraria cerca de três anos, iniciando em 1096 (ou 1095, 27 de novembro de 1095, para ser exato) e encerrando em 1099, a ordem dos cavaleiros templários surgindo depois dela, a princípio, segundo Keller, como uma simples e laica confraria de cavaleiros a serviço dos cônegos do Santo Sepulcro, sendo transformada em uma autêntica ordem religiosa, inspirada nos beneditinos, por Hugo de Payns, o Papado a acolhendo sob a sua jurisdição em 1129, com o Concílio de Troyes.





O Começo


     Tosseri diz que a Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão, ou apenas Ordem dos Templários, foi fundada em 1119 (outras fontes fornecem o ano de 1118), seguindo os juramentos beneditinos (pobreza, obediência e castidade) com o propósito de proteger os peregrinos que partiam para Jerusalém durante o período das Cruzadas, pois a insegurança era um problema crônico:


O devoto escandinavo Saewulf, que viajou para Jerusalém em 1102, conta que "os sarracenos [muçulmanos] estão sempre armando ciladas para os cristãos (...), à espreita dos que podem atacar por estarem em grupo pequeno ou daqueles que por cansaço ficam para trás. Ah, o número de corpos humanos que jazem despedaçados por bestas selvagens..." (LOPES. 2006)


     Inicialmente contando com apenas 09 cavaleiros [1], cerca de dois séculos depois, no século 14, já contava com aproximadamente 15 mil homens e um patrimônio correspondente a 9 mil propriedades espalhadas pela Europa [2]. Sim, eles eram ricos, tanto que desenvolveram técnicas de transferência de fundos por meio de letras de câmbio e mantinham negócios com todos os grandes senhores da Europa medieval, essa habilidade financeira deles atraindo a especial atenção de um deles, o rei francês Felipe, o belo.
     Como se tem pouquíssima informação a respeito das atividades dos Templários no período que vai de 1120 até 1140, muita especulação e estória surgiu, sendo que a (talvez) mais conhecida delas versa sobre uma suposta descoberta de um tesouro enquanto secretamente escavavam o terreno de sua sede [3].
     Quanto à natureza desse tesouro, ela varia de acordo com quem conta a estória e com os propósitos, podendo ser: relíquias sagradas do Templo de Salomão; o Santo Graal; a cabeça embalsamada de Jesus Cristo ou outra prova de que ele não havia ressuscitado e nem era de natureza divina (como uma linhagem, tal como "O Código da Vinci", de Dan Brown, se baseia); conhecimentos secretos sobre a natureza mística da arquitetura, os quais posteriormente seriam repassados à Maçonaria (a obra de Dan Brown também aborda isso, ao tratar da Capela Rosslin).
     Porém, teorias da conspiração à parte, o fato é que a ordem, como qualquer organização em início de carreira, não tinha importância nem força, sendo que o seu primeiro Grão-Mestre, Hugo de Payns, retornou ao ocidente em 1126, a fim de conseguir recrutas e o apoio oficial da Igreja, o que, como já dito, foi conseguido em 1129, depois que o influentíssimo Bernardo, abade de Clairvaux (São Bernardo de Claraval), apoiou a Ordem (tornando-se seu patrono) e justificou a, então não muito bem vista como algo cristão, ideia de monges matando em nome da fé no "Livro para Soldados do Templo - Do Louvor do Novo Exército".




O Meio


    Como foi só a partir de 1150 que ocorreu um nítido progresso da Ordem (LOPES citando KNOX. 2006), considerarei o "meio" de sua história a partir de tal ano. Aliás, segundo Augusto João Moretti Junior e Jaime Estevão dos Reis (p.2496), citando Helen Nicholson e Alain Demurger, é depois desse ano que boa parte das crônicas sobre os Cavaleiros Templários foram escritas, como: a crônica de Guilherme de Tiro, escrita entre 1165 e 1184; a crônica do bispo de Vitry; e a crônica de Ernoul, escrita depois de 1187.
     Durante  este período, estabeleceram capítulos por toda a Europa Ocidental e participaram das Cruzadas subsequentes, até a retomada da Palestina pelos muçulmanos, sendo que possuíram papel decisivo ou certa importância em algumas batalhas, como a Batalha do Vau de Jacó (perdida) e a Batalha de Montgisard (novembro de 1177, vencida), ambas pertencentes à Segunda Cruzada (1145-1187).
     Também durante toda essa extensa fase, a Ordem dos Cavaleiros Templários teve cerca de 20 (vinte) grãos-mestres, a contar de Everard de Barres (,terceiro grão-mestre, de 1147 até 1151, morreu em 1174) e encerrando em Theobald Gaudin, que, embora tenha morrido aproximadamente em 1293, foi sucedido por Jacques de Molay em 1245. [4]



O Fim


     A coisa começou a ficar feia para os Templários (e também para os Hospitalários) depois da perda definitiva da Terra Santa, em 1291, quando os cristãos foram obrigados a evacuá-la e, a começar da operação secretamente desencadeada pelo conselheiro real francês, Guilherme de Nogaret, na manhã de 13 de outubro de 1307, na qual todos os Templários na França foram presos, a Ordem foi perseguida em toda a Europa, devido ao fato de as confissões (obtidas sob tortura) dos membros presos terem chocado o Papa Clemente V, que determinou a prisão de todos os templários.




Papa Clemente V


     Após isso, comissões eclesiásticas foram criadas para investigar os templários presos e o Concílio de Vienne (França, 1311) avaliou o destino que a Ordem deveria ter, sendo que não havia unanimidade quanto ele, o Papa demorando a se decidir, somente o fazendo em 1312, após saber que o Rei Felipe IV marchava com o seu exército em Lyon (distante 466,8 Km de Vienne). Assim, no dia 03 de abril desse ano, a Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão foi dissolvida oficialmente, porém não excomungada, por meio da bula papal Vox in excelso (22 de março de 1312):


The majority of the cardinals and of those elected by the council, a proportion of more than four-fifths, have thought it better, more expedient and advantageous for God's honour and for the preservation of the christian faith, also for the aid of the holy Land and many other valid reasons, to suppress the order by way of ordinance and provision of the apostolic see, assigning the property to the use for which it was intended. Provision is also to be made for the members of the order who are still alive. This way has been found preferable to that of safeguarding the right of defence with the consequent postponement of judgment on the order. We observe also that in other cases the Roman church has suppressed other important orders for reasons of far less gravity than those mentioned above, with no fault on the part of the brethren. Therefore, with a sad heart, not by definitive sentence, but by apostolic provision or ordinance, we suppress, with the approval of the sacred council, the order of Templars, and its rule, habit and name, by an inviolable and perpetual decree, and we entirely forbid that anyone from now on enter the order, or receive or wear its habit, or presume to behave as a Templar. If anyone acts otherwise, he incurs automatic excommunication. Furthermore, we reserve the persons and property for our disposition and that of the apostolic see. We intend with divine grace, before the end of the present sacred council, to make this disposition to the honour of God the exaltation of the christian faith and the welfare of the holy Land. We strictly forbid anyone, of whatever state or condition, to interfere in any way in this matter of the persons and property of the Templars. We forbid any action concerning them which would prejudice our arrangements and dispositions, or any innovation or tampering. We decree that from now on any attempt of this kind is null and void, whether it be made knowingly or in ignorance. Through this decree, however, we do not wish to derogate from any processes made or to be made concerning individual Templars by diocesan bishops and provincial councils, in conformity with what we have ordained at other times. Let nobody therefore ... If anyone ...



     O trecho acima é o último parágrafo da bula anteriormente mencionada e, pelo que eu entendi dele (todo o texto anterior a ele descreve o processo, provas e afins), a ordem foi dissolvida sem os seus membros serem excomungados, de fato, apenas sendo excomungados quem, a partir daquele momento (o da extinção da Ordem), passasse a se comportar como um Templário.
     Quanto aos bens da Ordem, em torno do destino dos quais abundam as mais variadas estórias, embora o Rei Felipe IV tenha clandestinamente conseguido alguma parte deles, parte essa que teria sido o suficiente para cobrir o déficit orçamentário da França durante anos, segundo Kellen, citando Raymond Cazelles, a bula papal Ad providam decretou que eles fossem transferidos para os beneditinos da Ordem do Hospital de São João de Jerusalém [5].



Templários são queimados por Felipe IV, o belo, Fonte: História Viva.



     Segundo Tosseri, uma terceira bula papal [6] anunciou que os Templários não seriam excomungados, mas que Papa seria o encarregado por julgá-los, sendo que eles acabaram inocentados na Inglaterra, na Alemanha, na Espanha e em Portugal, enquanto apenas aqueles que reconheceram os seus erros foram absolvidos na França. E foi na França, mais especificamente em Paris, que o último Grão-Mestre da Ordem, Jacques de Molay foi queimado vivo no dia 19 de março de 1314. 






NOTAS

[1] Dos nove cavaleiros, somente encontrei os seguintes nomes: Hugo (ou Hugue) de Payns (ou Payens); Andrés de Montbard (tio de Bernardo de Claraval, posteriormente, tornaria-se o quinto grão-mestre da Ordem); Foulques (ou Fulk V) de Anjou; Hugo, conde de Champagne; Godofredo de Saint Omer (Godfrey de Saint-Omer).

[2] Avaliadas em US$ 160 bilhões em valores atuais, segundo cálculo da Associação do Templo de Cristo.

[3] A sede da Ordem era parte da Cúpula da Rocha e a mesquita Al-Aqsa, que o Rei Balduíno II acreditava ser o Templo de Salomão, o qual foi destruído definitivamente pelos romanos em 70 d.C. e em cujo lugar os muçulmanos ergueram as já nomeadas construções.

[4] Como existe muita, mas muita informação sobre esse longo período e boa parte dela requer certo trabalho para acessar (sendo que, como já devem ter percebido, priorizo fontes on line de livre acesso, para que qualquer um possa ir lá e conferir) ou traduzir, dedicarei as próximas

[5] Keller menciona a Ordem de Malta, e ele não está errado, acontece que a Ordem do Hospital de São João de Jerusalém posteriormente transformou-se na Ordem de Malta.

[6] Que eu imagino ser a bula Considerantes, visto que ela diz que o julgamento dos Templários caberia à Igreja e que eles não seriam automaticamente excomungados, a excomunhão dependendo de cada caso.





REFERÊNCIAS

CLEMENT V, Papa. Concil of Vienne 1311 - 1312 A.D. Disponível em: <http://www.papalencyclicals.net/Councils/ecum15.htm>. Acesso em: 05 Jul 2015.

DUFAUR, Luis. Montgisard: Balduíno IV leproso e 500 templários desfazem o exército de Saladino. 2 Mai 2012. Disponível em: <http://ascruzadas.blogspot.com.br/2012/05/montgisard-balduino-iv-leproso-e-500.html>. Acesso em: 10 Jul 2015.


ECCLESIA Brasil. As cruzadas - de 1096 a 1270: Uma cronologia. Disponível em: <http://www.ecclesia.com.br/biblioteca/historia_da_igreja/as_cruzadas_de_1096_a_1270_uma_cronologia.html>. Acesso em: 10 Jul 2015.

HEBREW University of Jerusalem. Vadum Iacob research. Disponível em: <http://vadumiacob.huji.ac.il/>. Acesso em: 10 Jul 2015.

KELLER, Rodolphe. Os Templários deixaram um tesouro? Disponível em: <http://www2.uol.com.br/historiaviva/artigos/os_templarios_deixaram_um_tesouro_.html>. Acesso em: 04 Jul 2015.

Jerusalém através dos séculos. Disponível em: <http://www.beth-shalom.tv.br/artigos/jerusalem_seculos.html>. Acesso em: 10 Jul 2015.

LOPES, Reinaldo. Guerreiros de Cristo. Superinteressante. Ed. 223. Fev 2006. Disponível em: <http://super.abril.com.br/historia/guerreiros-de-cristo>. Acesso em: 05 Jul 2015.

MORETTI JUNIOR, Augusto João; REIS, Jaime Estevão dos. A estruturação do poder na Ordem Militar dos Cavaleiros Templários. In: Anais do V Congresso Internacional de História. 21 a 23 Set 2011. ISSN 2175-6627 (CD-ROM). ISSN 2175-4446 (ON-LINE). Disponível em: <http://www.cih.uem.br/anais/2011/trabalhos/68.pdf>. Acesso em: 07 Jul 2015.


NAPIER, Gordon. A-Z of the Knights Templar. Mencionado como fonte de: Grand Masters. Disponível em: <http://www.theknightstemplar.org/1942-2/>. Acesso em: 10 Jul 2015.

ONÇA, Fabiano. Templários e monges da pesada. Publicado em: 01 Abr 2005. Disponível em: <http://guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-historia/templarios-monges-pesada-434456.shtml>. Acesso em: 05 Jul 2015.


OPPERMANN, Álvaro. Templários: A irmandade de Cristo. Disponível em: <http://super.abril.com.br/historia/templarios-a-irmandade-de-cristo>. Acesso em: 05 Jul 2015.

O que foram as Cruzadas? Disponível em: <http://mundoestranho.abril.com.br/materia/o-que-foram-as-cruzadas>. Acesso em: 05 Jul 2015.

TOSSERI, Olivier. Os templários foram banidos da Igreja. Falso! Disponível em: <http://www2.uol.com.br/historiaviva/artigos/os_templarios_foram_excomungados__falso_.html>. Acesso em: 04 Jul 2015.

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