domingo, 15 de fevereiro de 2015

Pequena introdução ao erótico e ao pornográfico

   Há muita, muita confusão entre os termos "erotismo/erótico" e "pornografia/pornográfico", o senso comum oscilando entre a indistinção e o enaltecimento do primeiro como belo, artístico e limpo, relegando o outro à feiura e à sujeira, mas, afinal de contas, quando algo é erótico ou pornográfico? Erotismo e pornografia são a mesma coisa?

       Não, o erotismo e a pornografia definitivamente não são a mesma coisa e tampouco o primeiro é um eufemismo para se referir ao segundo, cuja constituição se dá através de duas palavras  de origem grega, isto é, pórne ("prostituta", oriunda de pórnos) e graphein (o mesmo que "escrever"). Entretanto, a palavra não fora cunhada pelos gregos antigos, mas sim pelos franceses, em torno do ano 1800, para nomear os "estudos (de saúde pública) sobre a prostituição".
      Porém, o propósito inicial da palavra logo encaminhou-se para outras direções e ela passou, também, a designar a arte que tratava de temas obscenos, principalmente a que era produzida na antiguidade (como, por exemplo, as famosas pinturas nos muros de Pompéia). Isso teria se dado em meados do século XIX e, não muito depois, em 1899, o termo francês pornographie foi dicionarizado (por Cândido de Figueiredo) como pornographia na nossa queridíssima língua portuguesa.




Pintura nos muros de Pompéia.



Reprodução/History
Outra pintura nos muros de Pompéia.


      O erotismo, por sua vez, é mais antigo, sendo que, na língua portuguesa, há o sinônimo eroticismo, o qual, a meu ver, é pouco utilizado. Segundo o Houaiss deixa a entender, a forma erotismo seria influência do francês érotisme (o mesmo dicionário apresenta uma data, 1794, a qual eu não entendi bem se seria ou não a data de dicionarização do termo em língua portuguesa), termo relacionado ao "erótico", que foi primeiramente dicionarizado na França, em 1566, designando "o que tiver relação com o amor ou proceder dele".
        Como podemos perceber, os franceses são mesmo chegados num rala-e-rola, digo, há origens distintas e diferenças substanciais entre um e outro termo. Agora, de que forma isso deveria se manifestar nas coisas que são ou deveriam ser rotuladas por eles?
       Basicamente, para um texto ser considerado erótico, ele deve se valer de metáforas, de belas palavras e procurar ser o mais poético e belo possível, não dando importância alguma pela descrição do "durante" (momento no qual decorre o ato sexual), mas sim procurando enfatizar os momentos anterior e posterior ao ato sexual. Vale ressaltar que o entorno da situação também é importante, o inclui a psicologia das personagens direta ou indiretamente envolvidas e o cenário, sendo que mundos inteiros podem ser construídos para atender às necessidades de uma obra erótica.
       Quanto aos textos pornográficos ou simplesmente "pornôs", eles devem ser o exato oposto dos textos eróticos, isto é, devem procurar falar às claras e o mais diretamente possível, dando nomes aos bois, digo, às genitálias. A preferência deve ser pelos nomes chulos, sujos, de baixo calão, que possam ser considerado ofensivos para muitos. Em tais textos, a ênfase é dada ao "durante", pouco ou nada importando o que acontece antes ou depois do ato sexual. Não que eles não estejam presentes e não sejam importantes, estão e são, mas devem ocupar menos espaço.
     Aliás, uma obra pornográfica deve possuir uma apresentação das personagens - sendo mais comum o foco na(s) mulher(es) envolvida(s) - e um final feliz, sim, pois um texto pornográfico, diferente do erótico, visa provocar sensações extratextuais no leitor (atuando como um voyeur que gosta do que vê), levando-o o querer "botar aquele sentimento (o tesão) para fora" - literalmente. Para exemplificar isso, no caso de um texto que trate de um estupro, a pessoa estuprada acaba vendo nessa situação um ato prazeroso, descobrindo um desejo (e realmente existem pessoas que fantasiam com isso) que é socialmente estranho e realmente gostando disso, podendo admitir interna ou externamente.
       Essa experiência extratextual não é frequente e sequer necessária num texto erótico, pois o mesmo deve tratar mais do amor espiritual ou idealizado (o Eros), romantizando o sexo, tratado como mera consequência de todo um contexto ideal, enquanto o pornográfico trata do amor carnal (Afrodite), do sexo enquanto carne, suor e sêmen.
       Por fim, deve-se deixar claro que muitos escritores - de prosa e/ou poesia, amadores ou profissionais - não hesitam em tratar as suas obras como eróticas, mesmo que elas não o sejam, sendo verdadeiramente pornográficas. Às vezes isso se dará por pura ignorância a respeito, mas noutras o fato dar-se-á por conta ou de "rebeldia contra os rótulos" (o que eu considero tolice, uma vez que um mundo inclassificável é um caos, questão de lógica) ou de preconceito com os termos pornografia e pornográfico, o autor tendo ciência que sua obra é pornográfica, mas não o admitindo por temor de ser marginalizado ou por ele próprio ter preconceito com os termos. Aliás, sabem aqueles contos que são facilmente encontrados em sites adultos? Pois então, dificilmente você encontrará algum conto ali que seja erótico, pelo menos eu nunca vi.





REFERÊNCIAS


DEL PRIORI, Mary. Histórias íntimas: sexualidade e erotismo na história do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2011. 254p.

HOUAISS, A. Villar, M.S. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Objetiva, 2007.

LÉVY, Ann Deborah. Eros. In: BRUNEL, Pierre (Org.). Dicionário de mitos literários. Tradução: SUSSEKIND, Carlos et al. 4 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2005. p. 319-324.

ORIGEM DA PALAVRA. Pornossutra?! In:___. Consultório Etimológico. Publicado em: 03 Abr. 2011. Disponível em: <http://origemdapalavra.com.br/site/palavras/pornografia/>.

RODRIGUES, Sérgio. Qual a diferença entre pornografia e erotismo? In: VEJA. Publicado em: 02 Dez. 2013. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/blog/sobre-palavras/consultorio/qual-e-a-diferenca-entre-pornografia-e-erotismo/>

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