quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Réveillon: Velando e celebrando

   A língua dos antigos romanos, o Latim, é a mãe do Romeno, do Italiano, do Francês, do Espanhol e do Galego-Português - e é claro que estou incluindo aí todos os dialetos relacionados a tais idiomas. Aqui é bom chamar a atenção para um fato cotidianamente ignorado: Embora seja repetido à exaustão que o Português deriva diretamente do Latim, sendo língua irmã do Francês, do Espanhol e afins, na realidade - como muito bem lembrado e explanado por Marcos Bagno no artigo "O Português não procede do Latim: Uma proposta de classificação das línguas", o Português é diretamente derivado não do Latim, mas sim do Galego-Português, sendo, portanto, irmã do Galego - falado ao norte de Portugal e noroeste da Espanha -, sobrinha do Francês, do Espanhol, do Italiano e do Romeno e neta do Latim.




Note que o Galego-Português aparece na periodização,
mas sequer é mencionado na árvore.


   Enfim, segundo o que Bizzocchi (2013) diz, em Latim havia a palavra vigil, com o significado de "sentinela" enquanto substantivo e de "acordado, desperto" enquanto adjetivo. Desta última significação derivou o verbo vigilare (estar atento, estar acordado, estar em vigília), do qual se originaram os verbos franceses réveiller e éveiller, ambos significando "despertar". Ainda segundo Bizzochi (2013), derivado de réveiller, o termo réveillon - que Raquel Lima (2009) diz ter surgido no século 17 - originalmente designava a ceia de natal, posteriormente passando a se referir à ceia da véspera de Ano Novo e, finalmente, à própria passagem de ano.
   O autor do texto "A origem do nome Réveillon" também nos informa que o mesmo verbo latino acabou por dar origem ao Português hereditário "velar", ao semiculto "vigiar" e ao substantivo e adjetivo culto "vigilante". O substantivo "vigília", que é o estado de quem não dorme, também viria dessa raiz latina, enquanto o substantivo "vela" teria se originado por derivação e metonímia a partir do verbo "velar".
   E, se Bizzocchi (2013) nos diz que o substantivo e adjetivo vigil, o verbo vigere (a partir do qual temos "vigência", "vigente") e o substantivo vigor (de onde vieram "vigor", "vigorar") compartilham a mesma raiz, com um sentido geral de "vida, energia vital", o verbo "velar" está quase inteiramente relacionado ao oposto disso, à morte, visto que a sua utilização fora do contexto do velório é rara. O que isso tem a ver?



Iemanjá

   Aparentemente, o costume de se vestir de determinada(s) cor(es) para a passagem do ano a fim de atrair para o indivíduo durante o novo ano tudo o que a(s) cor(es) simboliza(m) ocorre somente no Brasil, sendo que a tradição de vestir-se de branco teria se iniciado por volta da década de 70, na praia de Copacabana (Rio de Janeiro):


Diz a lenda que no Brasil a tradição de se usar branco durante o réveillon veio do candomblé. Isso porque em meados dos anos 1970 alguns praticantes da religião, que tinham o costume de comemorar a virada de ano da praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, usavam a cor branca como representação da paz e da purificação enquanto jogavam flores para Yemanjá, a rainha do mar, segundo a cultura. (Bureau de Comunicação e Moda. 2012)


   Ainda segundo o Bureau de Comunicação e Moda (2012), o costume começou a ser copiado, ganhou força e se espalhou por todo o Brasil, posteriormente recebendo o acréscimo de que, além de branca, a roupa deve ser nova. Além disso, Raquel Lima (2009) diz, em matéria da Superinteressante, que a roupa branca "é a roupa dos devotos de Iemanjá, orixá que já na África era homenageada com oferendas no mar na passagem do ano", porém, Rodolfo Alves Pena, para o Brasil Escola, diz que:


O culto à Iemanjá com oferendas ao mar é praticado até mesmo por pessoas que não fazem parte dessas religiões, tendo uma grande receptividade junto ao público católico. Outro hábito herdado dessas religiões e o ato de vestir-se de branco, uma superstição pela promoção da paz e, na origem, um hábito para reverenciar as cores do orixá Oxalá.


   Aqui cabe informar que ambos os orixás possuem o branco como cor na umbanda, mas que Oxalá teria o branco-leitoso e que Yemanjá teria não apenas o branco, como também o prateado, o azul e o rosa no candomblé. Também vale mencionar que, na umbanda, Iemanjá é sincretizada com Nossa Senhora da Glória e Oxalá - cujo nome muito provavelmente deriva da expressão árabe-muçulmana inshallah (se Deus quiser!) - o é com Jesus Cristo, sendo que, além de este último também possuir, no candomblé, o domínio sobre o poder procriador masculino e a Criação, também possui domínio sobre a vida e a morte...



Oxalá

   E já que voltamos a falar em morte... No contexto do luto, ela pode até ser representada em alguns casos pela cor branca no ocidente, mas a regra diz que, em tal parte do mundo, ela é simbolizada pela cor preta, enquanto.que o é pela cor branca no oriente.


No ocidente, a morte e o luto são simbolizados pela cor preta e no oriente pela cor branca. Na África, o branco é a cor dos mortos, mas também se acredita que tenha o poder de levar a morte para longe e, portanto, está associada à cura. (O'CONNELL; AIREY. 2010, p.115)


   O que eu quero dizer é que toda essa confluência de simbolismo acabou gerando um costume que, um vez considerados todos os seus elementos, não se resume à celebração do ano novo, carregando a seguinte noção: De branco, vela-se o ano que morre ao mesmo tempo em que se celebra o nascimento do ano novo ou, se considerarmos a questão da cura, pode-se até mesmo dizer que o ano morre, se cura e renasce - nesse último caso, a simbologia não deixa de ser coerente com Oxalá/Jesus.






REFERÊNCIAS

BAGNO, Marcos. O português não procede do latim: Uma proposta de classificação das línguas derivadas do galego". Disponível em: <http://www.editorialgalaxia.es/imxd/libros/doc/1320761642191_Marcos_Bagno.pdf>. Acesso em: 31 Dez 2015.

BIZZOCCHI, Aldo. A origem do nome "Réveillon". Publicado em: 2013. Disponível em: <http://revistalingua.com.br/textos/blog-abizzocchi/a-origem-do-nome-reveillon-302700-1.asp>. Acesso em: 30 Dez 2015.

BUREAU de Comunicação e Moda. A história do branco e do réveillon. Publicado em: 06 Dez 2012 . Disponível em: <http://bureaudemoda.com.br/infobureau_view.php?cod=477>. Acesso em: 31 Dez 2015.

CAMPOS, Emídio. As cores de cada orixá na umbanda. Publicado em: 14 Out 2009. Disponível em: <http://espadadeogum.blogspot.com.br/2009/10/as-cores-de-cada-orixa-na-umbanda.html>. Acesso em: 31 Dez 2015.

LIMA, Raquel. Quem inventou o Réveillon? In: SUPERINTERESSANTE. ed. 261. Jan 2009. Disponível em: <http://super.abril.com.br/cultura/quem-inventou-o-reveillon>. Acesso em: 31 Dez 2015.

NASCIMENTO, Dayane et Al. Oxalá. In:___. Os orixás. Disponível em: <https://ocandomble.wordpress.com/os-orixas/oxala/>. Acesso em: 31 Dez 2015.

NASCIMENTO, Dayane et Al. Yemanjá. In:___. Os orixás. Disponível em: <https://ocandomble.wordpress.com/os-orixas/yemonja/>. Acesso em: 31 Dez 2015.

PENA, Rodolfo F. Alves. 31 de dezembro - Réveillon. In: BRASIL Escola. Datas comemorativas: Dezembro. Disponível em: <http://brasilescola.uol.com.br/datas-comemorativas/reveillon.htm>. Acesso em: 31 Dez 2015.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Grato pela leitura e pelo comentário. Assine o blog, siga-o e mantenha-se informado sobre novos textos. Até.