segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Star Wars e as acusações de racismo que não chegam ao Finn

   Embora as polêmicas a respeito de racismo em "Star Wars" não sejam novidade, fazendo-se presentes desde a trilogia clássica, o fato é que vivemos em tempos nos quais os famigerados Justiceiros Sociais não apenas parecem atacar a tudo e a todos indiscriminadamente (e, não raro, sem muita análise acerca de coisas como o contexto), como também chegam a forjar situações e o que estiver à mão (ex.: mulheres que dão falsas queixas de estupro [1]), além de forçarem a barra a fim de provarem que estão com a razão ou sabe-se-lá-o-quê.
   Enfim, desde que o primeiro trailer de "Star War - Episode VII: Force Awakens" foi lançado, revelando o ator negro John Boyega na pele de um stormtrooper, que a discussão de racismo em Star Wars voltou à tona [2], pois a existência de um stormtrooper negro gerou protestos de vários pseudo-fãs da franquia (cheguei a falar do assunto no artigo "Star Wars: O despertar da discriminação") e tem se mantido no foco graças ao deslize de uns ou à forçação de barra de outros.
   Assim, no presente artigo trago três polêmicas em torno do racismo em "Star Wars - Episódio VII: O Despertar da Força", uma com alguma coerência, uma que pode ser vista como uma forçação de barra e outra que com toda a certeza é uma forçação de barra, no caso e respectivamente: A polêmica a respeito do cartaz chinês, a polêmica do encalhe do boneco de Finn e um texto publicado no portal Geledés.




Se o negro foi diminuído no cartaz chinês porque os chineses são tidos como racistas... O Chewbacca sumiu porque eles comem carne de cachorro?

   Se não a primeira tentativa de manter o foco no racismo, mas sim a que mais chamou a atenção após a discussão em torno do trailer (e a que tem mais coerência), a polêmica em torno do cartaz de divulgação do filme na China consistiu na afirmação de que haveria racismo no redimensionamento de Finn, que ficou menor que Rey. Detalhe: A matéria que primeiramente circulou em alguns grupos no Facebook, de autoria de Guilherme Dearo (Exame), afirmava em seu título que a personagem em questão havia sido "escondida" do cartaz - o que deu a entender que ela teria sido tirada dele.




   Então, vamos por partes. Primeiramente, vi algumas pessoas afirmando que as diferenças de um poster para o outro consistiam em redimensionamentos e deslocamentos de imagens, a personagem de John Boyega tendo sido vitimada por ambas. Porém, o fato é que as diferenças não se restringem a redimensionamentos e deslocamentos, também havendo mudanças de ângulo de visão [3] e ocultações, as quais sequer foram mencionadas em China 'esconde' ator negro de cartaz do novo filme Star Wars, de Guilherme Dearo, somente aparecendo em textos de quatro dias depois, como no artigo 'Star Wars - O despertar da Força': cartaz chinês gera críticas de racismo, do G1.
   Pelo artigo de Dearo e constatando o sumiço de Chewbacca, eu tive a impressão de que não era tudo o que estava sendo dito, principalmente porque 1) havia outras diferenças nítidas no cartaz - sobretudo no que tange a Kylo Ren, que no cartaz estadunidense se encontra gigantesco e de perfil, mas está menor e em pose frontal no poster chinês; e 2) se o redimensionamento de Finn deveria ser entendido como racismo dos chineses, o desaparecimento de Chewbacca (que foi inspirado num cachorro da raça Malamute, do Alasca, que George Lucas teve) deveria ser entendido como uma tentativa dos chineses de evitar que uma personagem de feições caninas desencadeasse uma onda de rejeição ao consumo de carne de cachorro?
   O artigo do G1, por sua vez, apresenta a suspeita de racismo no cartaz chinês com muito mais consistência, mostrando que - tirando o wookie - somente personagens interpretados por negros - o stormtrooper que se torna rebelde, Finn (John Boyega), e a pirata espacial Maz Kanata (Lupita Nyong'o) - e um personagem interpretado por um hispânico - Poe Dameron (Oscar Isaac), um piloto da resistência - foram atingidos por um redimensionamento combinado com deslocamento (Finn) ou por exclusão (Maz e Poe).
   Porém, por mais tentador que seja comprar a ideia do racismo por parte dos chineses, a declaração do crítico chinês Chen Qiuping (da Associação de Cinema da China) de que o ocorrido se trata de um caso individual (e que é injusto criticar o público chinês por isso) não deve ser ignorada, pois ela faz com que a situação não seja um caso de racismo generalizado, de uma etnia inteira (os chineses), mas sim por parte única e exclusivamente dos responsáveis pela confecção e divulgação do cartaz em questão (alguns chineses).
   Além disso, no caso da personagem Maz, o que eu mais me pergunto é se quem fez o cartaz chinês tinha ciência de que sua interprete é negra e realmente agiu motivado por isso - coisa que não vi ser ponderada em momento algum.



Numa ampliação do pôster estadunidense é possível ver melhor a Maz.

   E se realmente tomarmos o desaparecimento da Maz e do Poe do cartaz como sendo algo racista, então o que explicaria o desaparecimento do Chewbacca? Pergunto porque ele foi interpretado por dois homens brancos, o ator Peter Mayhew e o ator e jogador finlandês de basquete Joonas Suotamo. Isso que (desconsiderando as outras mudanças em todo o cartaz) não encaixa, a não ser que digamos que eles sumiram com o Chewie só pra tentar disfarçar o racismo ao sumir com um personagem interpretado por um hispânico e outro interpretado por uma mulher negra, além de terem diminuído a imagem do Finn e a mudado de lugar.
   Sobre o Finn, eu achei que essa versão chinesa ficou mais harmônica, organizada, e acho que a mudança da imagem do Finn para baixo colocou-o como se estivesse cobrindo as costas de Rey enquanto ela cobre as dele, como se ambos estivessem lutando ao mesmo tempo, cercados por inimigos - só que a imagem deveria ter ficado um pouco maior - e o BB8 não deveria ter sido colocado ali.
   Além disso, a impressão que eu sempre tive é a de que o Finn está descolado do resto do elenco no cartaz estadunidense. Note que Han, Leia, Rey, Chewie, Maz, Poe e os droides formam um todo aglutinado, todos muito bem encaixados, enquanto Finn se encontra tão apartado deles quanto Kylo Ren, o vilão. Nessa polêmica versão chinesa não, ele está inserido no grupo da resistência. Enfim, todas essas coisas me levam a pensar que tudo se tratou muito mais de um deslize de quem confeccionou essa versão chinesa do cartaz do que de uma proposital e deliberada depreciação racial.




O boneco do Finn não vende, só pode ser racismo!!!

   A segunda polêmica surgida se deu algumas semanas o lançamento do filme e devido a um cruzamento de dados feito pelo canal do YouTube "Melhores do Mundo": Finn foi considerado o segundo personagem preferido pelo público numa enquete realizada pelo Rotten Tomatoes, mas as action figures da personagem são as únicas da linha que estão encalhadas nas lojas. Então, antes de escamotear esse peixe, deixo aí o vídeo "E o boneco do Finn que ninguém compra?":





   Então, é um fato que os bonecos de 30 cm do Finn estão (ou estavam) encalhados nas lojas e é um fato que ele ainda consta (pois ainda é possível votar e, na última vez que vi, quando votei, haviam sido dados 114.743 votos) como o segundo personagem preferido do público na enquete do Rotten Tomatoes, porém, o cruzamentos dos dados é equivocado (para não dizer desonesto), pois o encalhe se dá em lojas brasileiras - o vídeo não fala de lojas estadunidenses ou de lojas de quaisquer outros países - e a enquete pública não é restrita ao público brasileiro, qualquer pessoa de qualquer parte desse nosso mundinho periférico da Via Láctea (e, talvez, alguns aliens que tenham sido autorizados pelos M.I.B. a viver entre nós) pode acessar o sítio e votar no seu personagem predileto (inclusive, é possível mudar o voto).



Captura de tela da enquete do Rotten Tomatoes de quando votei.

   Noutras palavras e correndo o risco de ser prolixo, não temos uma enquete que mostre por A mais B que o Finn é o segundo personagem preferido do público brasileiro, o que temos é uma enquete que demostra que a personagem em questão é a segunda preferida para uma pequena parte do público mundial que assistiu o filme, não sendo possível precisar quantos brasileiros residentes no Brasil responderam à enquete e como fica a predileção pelo Finn para eles - mas, se tivéssemos, aí sim seria altamente incoerente o encalhe dos bonecos dele nas lojas brasileiras. "Seria"?
   Sim, "seria", do verbo "poderia ser, mas não é", pois tudo deve ser visto sempre pela maior quantidade possível de ângulos e não é o encalhe de um boneco não vai fugir a isso. Antes de prosseguir, porém, deixo-os com o vídeo de uma resposta feita por um vlogueiro ao "Melhores do Mundo":





   Então, para começo de conversa, ninguém é obrigado a comprar o boneco e o fato de o boneco vender pouco não significa necessariamente racismo. Antes de somar a isso uma coisa vista no vídeo acima lincado [4], seria bom fazer uma observação: Diferentemente do que é dito no vídeo, a linha de bonecos de 30cm distribuída no Brasil conta com certa variedade, e não apenas com o Darth Vader, o Kylo Ren e o Finn, havendo, por exemplo, stormtrooper, piloto de Tie Fighter e... A Rey! Sim, diferentemente de toda a polêmica que se criou em torno da suposta falta de bonecos da Rey, alguns até mesmo alegando que não trouxeram os bonecos dela para o Brasil, os bonecos da Rey, nos mais variados tamanhos, existem, foram trazidos ao Brasil e se esgotaram por conta da pouca quantidade somada à grande procura.
   Também é bom lembrar que (segundo muitos e muitos comentários em muitas e muitas postagens sobre o assunto) os bonecos dessa linha estavam pelo mesmo valor, algo em torno de R$60,00 (em alguns lugares, eles estavam por menos, em outros, por mais) e que bonecos de coleções anteriores são mais caros, de modo que imagens como a de uma comparação entre o preço de um Obi-Wan Kenobi (coleção mais antiga) com o de um Finn (coleção atual) que eu cheguei a ver circulando num grupo de Facebook [5] é tão equivocada (pra não dizer desonesta) quanto a utilização de uma pesquisa não restrita ao público brasileiro para avaliar somente o comportamento de consumidores brasileiros;



Um dos vários memes sobre o assunto.

   Enfim, vamos à soma: o boneco em si não é lá muito atrativo, vindo praticamente apenas com as roupas de rebelde (e, se não me engano, uma arma), enquanto os demais bonecos da linha possuem armadura - e seria muito mais interessante se o Finn viesse com armadura de stormtrooper e, preferencialmente, com o capacete ou mesmo toda a armadura removível. Por que seria mais interessante se ele viesse dessa forma?



Finn removendo o capacete de stormtrooper marcado de sangue.

   Os stormtrooper se originaram a partir dos clone trooper, mas tanto uns quanto os outros são indivíduos desprovidos de identidade. Não que não tenham alguma identificação, mas os clone trooper, sendo cópias do mandaloriano Jango Fett, poderiam mesmo ser considerados coisas, não pessoas [6] - tanto que tinham o crescimento acelerado e implantes de memórias falsas, por exemplo. Quanto aos stormtrooper, dentro do velho e extinto Universo Expandido, eles eram humanos recrutados, ou seja, possuíam identidade, entretanto, jamais um deles tirou o seu capacete (sem receber ordem para isso) e a revelou - principalmente nos filmes.



Então, uma vez removido o capacete, ele deixa de ser
Finn The Thing para se tornar Finn The Human! ------ Ba Dum Tss!

   Por isso, Finn, que removeu o seu capacete sem ter sido autorizado a fazer isso (como a Capitã Phasma deixa claro), entra para a história da franquia como um símbolo de resistência e, principalmente, de libertação e procura por identidade própria - pertencer às fileiras da Primeira Ordem é ser um escravo e retirar o capacete de stormtrooper e quebrar os grilhões dessa escravidão. Assim, faria muito mais sentido e seria muito mais atrativo ter um boneco do Finn vestindo armadura de stormtrooper que fosse removível ou que tivesse apenas o capacete removível - e, obviamente, marcado de sangue. Entretanto, a pouca atratividade do boneco (não do personagem, que é importantíssimo para o andamento do filme) não é a explicação para o encalhe.
   Em resposta ao vídeo do "Melhores do Mundo" e ao do "vlog do Ace", o canal "O Que tem de Bom" fez o seguinte vídeo, no qual há a explicação para o encalhe.





   Ou seja, se existem 20 bonecos do Finn contra 4 dos demais, obviamente que o produto vai encalhar, não havendo, portanto, todo o racismo sugerido. Há algo mais a ser dito sobre isso? Sim, há.




O garoto, o boneco e o Facebook

   Nem bem começou 2016 e surgiu outra polêmica associada com os bonecos do Finn, a qual considero um desdobramento da segunda polêmica listada aqui. Vamos ao caso. No dia 2 de janeiro deste ano, a mãe do garoto Matias Melquíades, Jaciana Melquíades, postou a foto do seu filho segurando o boneco de 30 cm do Finn, contendo a legenda "ele nem sabe o que é Star Wars, sabe que o boneco é igual a ele".






   Então, a foto viralizou, sendo muito curtida e compartilhada, ao que alguém a denunciou ao Facebook por conter nudez explícita - algo que viola as regras da comunidade. A foto foi analisada e a equipe responsável pela análise concluiu que não havia motivos para a foto ser excluída, notificando isso à mãe de Matias.
   Acontece que, entre o anúncio dela de que a foto havia sido denunciada, as 14h49 do dia 03 de janeiro, e o comentário no mesmo anúncio, as 10h49min do dia 04 de janeiro, de que o Facebook havia concluído (as 15h55 do dia 03 de janeiro, isto é, seis minutos após o anúncio) [7] que a foto não fere os padrões da comunidade, a história viralizou, as novas curtidas e compartilhamentos da foto - bem como das notícias em sites diversos - ganhando ares de cruzada contra o racismo na internet.






   A história da foto do garoto negro denunciada por conter nudez explícita foi publicada em vários sites, como no Diário do Centro do Mundo e no Buzzfeed, viralizando ao ponto de chegar ao intérprete do Finn nas telonas, o ator John Boyega, que deixou um recado para Matias em seu perfil no Instagram.
   Por fim, embora realmente existam espíritos de porco - para não dizer outra coisa - capazes de fazer uma denúncia descabida dessas, eu não duvidaria que alguém com ciência de que tal denúncia não daria em nada o tenha feito "apenas" para repercutir o caso e viralizar ainda mais a publicação original, chamando a atenção para a questão do suposto racismo por trás do encalhe do boneco de 30 cm do Finn. Isso porque a discussão sobre as poucas vendas da action figure - ou melhor, a afirmação de que as poucas venda se devem a racismo, se faz bem presente nos comentários das publicações [8] da historiadora e professora de "Gênero e Etnia" do curso "De jovem para jovem", do Caminho Melhor Jovem em parceria com o NESA/UERJ.



Tem também boneco da Rey, só pra lembrar. Fonte da foto.




TEXTO DO GELEDÉS


   Enviado por Guest Post para o Portal Geledés, o artigo "Star Wars despertou a força, mas ainda precisa despertar para uma imagem mais justa e equilibrada do negro" (sic), de autoria do Felizardo Tchiengo Bartolomeu Costa, é a tentativa de forçação de barra à qual me refiro no começo deste artigo, elencando cinco motivos pelos quais o autor não se surpreendeu com a personagem Finn, a qual ele diz que "não fugiu tanto quanto esperava dos estereótipos do negro, trazendo de forma marcadamente forte vários elementos negativos".
   É importante mencionar que a publicação do texto em questão precede as polêmicas anteriores. A seguir, apresento, em forma de captura de tela, os motivos elencados por Felizardo, um de cada vez e seguido por meus comentários.




Primeiro Motivo






   Sim, realmente ele julgou injustamente, pois o fato de apenas o negro ter sido identificado não deveria ser visto com a negatividade aí demonstrada, mas sim com toda a força positiva que o simbolismo da cena possui, já que o único stormtrooper em toda a história cinematográfica da franquia a se rebelar, deixando de ser um soldado para procurar construir uma nova identidade é negro [9]. E digo "cena" porque é quando Finn desautorizadamente (como a Capitã Phasma deixa bem claro para ele) remove o seu capacete de stormtrooper que se tem a identificação dele (e o primeiro passo da caminhada dele próprio rumo à construção de sua identidade) e o simbolismo da ruptura com as amarras, uma versão contemporânea e científico-ficcional do negro escravizado que quebra as correntes.




Segundo Motivo






   Confesso ser deveras interessante a comparação com o romance de Mark Twain, "Adventures of Huckleberry Finn" ou "The Adventures of Huckleberry Finn" (As aventuras de Huckleberry Finn), porém, novamente temos uma observação rasa, incompleta, propositalmente notando somente o que há de negativo. Também pode-se afirmar com alguma segurança que a comparação é superficial ao tratar Finn como Jim e implicitamente sugerir Rey como Huck.
   Superficial porque o simples fato de o personagem de "Star Wars" em questão ser negro e ter o nome Finn já sugere que ele poderia ser uma fusão de ambos os personagens, Jim e Huckleberry Finn, tendo a aparência física do primeiro e o nome do segundo, bem como trazendo consigo um conflito resultante dessa fusão, ao mesmo tempo se regozijando e se culpando por ter fugido da escravidão da Primeira Ordem para construir uma vida como homem livre.
   E não pense que, como é implicitamente sugerido pelo autor do Guest Post na segunda metade da quarta linha e na primeira parte da quinta do parágrafo em questão, somente o negro Jim era alguém de moral e comportamento questionáveis, pois desde o começo do livro é deixado bem claro o quão cinzenta e questionável é a moral do branco Finn. Enfim, espero falar mais aprofundadamente dessa provável referência à obra de Mark Twain em "Star Wars" noutro momento [10].




Terceiro Motivo

   Aqui, vemos essa questão do caráter retomada, mas de maneira explícita:





   Bem. Eu não achei Finn um sujeito desprovido de caráter, muito pelo contrário, achei que a todo momento ele dá mostras de ser um cara de muito bom caráter, interessado em procurar fazer o que é certo, ainda que, obviamente, tenha medo - medo que é prontamente deixado de lado por conta dos sentimentos que ele possui por Rey.
   Além disso, e quanto ao começo do filme? Quando Finn liberta Poe Dameron e este indaga se ele é da Resistência, Finn nega, diz que o está libertando e, quando questionado sobre o porquê de estar fazendo isso, solta um "porque é o certo a ser feito". Isso não conta para nada? E quando a Capitã Phasma relata ao General (...) que Finn nunca teve casos anteriores de insubordinação, a fuga dele com Dameron sendo o seu primeiro delito (aos olhos da Primeira Ordem)? Tecnicamente, isso pode ser visto como uma demonstração de caráter, ao menos para o grupo ao qual ele pertencia.
   Ele também vai até os destroços do caça em busca de Poe, sendo que - sendo tão sem caráter como o autor do texto diz que ele é - poderia muito bem ter dado o fora dali sem nem pestanejar. E quando Rey está sendo atacada por um pessoal escroto num vilarejo em Jakku e Finn - que bebia água na mesma bica que um bicho - corre para tentar ajudá-la sem nem ao menos conhecê-la? Claro, ela não precisou da ajuda dele, mas ele sair correndo para ajudar não significa nem uma gota sequer de porra nada?
   BB-8 diz para Rey que Finn o havia roubado, mas BB-8 não desmente Finn quando este diz que tentou ajudar Poe (o que, de fato, ele fez, mas o droide poderia levantar suspeita, já que não estava presente) ou quando confirmou para Rey que era um membro da Resistência - e essa mentira não deveria ser vista como uma falta grave de caráter, mas apenas como uma boba tentativa de causar boa impressão na garota, coisa que homens e mulheres fazem quando flertam. Na verdade, poderia até mesmo ser vista não como mentira, mas como um novo (e incauto) passo do Finn rumo à construção de uma identidade, já que - ao invés de fugir correndo e puxando a Rey junto - ele poderia perfeitamente ter agarrado o droide e o entregue aos stormtroopers que "chegaram chegando", alegando que tudo não tinha passado de um plano dele para conseguir o mapa. Ah, ele também evitou que Rey e BB-8 fossem fulminados pelo ataque dos caças, mas isso também não deve ser um ato nobre, não é mesmo?!
   Também acho importante dizer que não se pode falar que Finn tenha tido algum sucesso em mentir para Han Solo, pois, em dois momentos, o contrabandista dá a entender que sabe que Finn está escondendo alguma coisa: Logo quando Rey diz a Solo que Finn é da resistência, o ex-general da Rebelião olha com descrença para Finn, e, depois, quando Finn tenta convencer Solo de que é importante para a Resistência, que tem um alvo nas costas e coisa e tal, ao que Solo diz que "mulheres sempre descobrem a verdade, toda vez". Aliás, talvez por conta dessa declaração do contrabandista - e da avaliação feita por Maz Kanata - que ele tenha resolvido contar toda a verdade para Rey antes de seguir com os caras que partiam para a Orla Exterior.
   Só que ele não apenas não foi para a Orla Exterior, como correu desesperadamente para tentar alcançar a nave na qual Kylo Ren entrara carregando Rey nos braços e... Puta que pariu Caramba, gente! Alguém sem caráter não faz uma coisa dessas, alguém sem caráter não se importa com nada nem ninguém e, talvez, nem mesmo consigo mesmo. Um stormtrooper, aliás, é o melhor exemplo de alguém sem caráter (e que não tem identidade), tanto que são facilmente manipulados por usuários de qualquer lado da Força - e, só para lembrar, Finn deixou de ser um stormtrooper. [11]
   Agora, se a intenção do indivíduo foi a de dizer que o Finn é mau-caráter, traiçoeiro, que não inspira confiança, bem, não só Poe Dameron e Leia Organa fizeram declarações que contradizem essa ideia, como Rey proclamou o ex-stormtrooper como "amigo" (o que é um tiro do arco-balestra do chewie perto da friendzone? 'tadin' dele) e as atitudes do mesmo - relacionadas nos parágrafos anteriores - mostram que não é bem assim como Felizardo coloca em seu artigo.
   Apenas para encerrar esta parte, não é que Han Solo duvidasse de que Finn pudesse entender de "um assunto tão complexo", ele apenas confiou o plano de invasão às instalações ao Finn, que, até onde se sabia, era o único do lado da Resistência a ter estado lá, indagando-o acerca dos próximos passos, como qualquer outra pessoa faria se estivesse no lugar do contrabandista. Foi então que Finn declarou não fazer ideia e Han Solo perguntou ao Finn sobre o trabalho que ele fazia enquanto stormtrooper, pergunta essa que ninguém na Resistência pensou em fazer e que teria evitado essa cena - bem como inviabilizado todo o restante do filme...




Quarto Motivo





   Esse motivo traz um desvio: O parágrafo começa falando de heroísmo que precisa ser atestado e termina tocando em atestamento da humanidade, mas desde quando "heroísmo" e "humanidade" são palavras sinônimas? Ou o autor quis dizer que apenas humanos são capazes de atos heroicos? Por essa lógica - que eu acho estúpida -, não podemos considerar a gata que salvou uma criança de uma ataque de cachorro como uma heroína, por exemplo.





   Além disso, sim, o BB-8 é uma máquina, ele é o que se considera como "droide analítico" - como o amigo de Obi-Wan Kenobi, Dexter Jettster, diz numa cena do Episódio II, não sendo dotado de inteligência artificial, ou seja, tem conhecimento, mas não tem sabedoria, sapiência.





   Ou seja, neste ponto, Felizardo até estaria certo na sua colocação - se BB-8 tivesse atestado o heroísmo ou a humanidade de Finn nalgum momento. Ele o acusa para Rey (por ele estar usando a jaqueta de Poe Dameron, dono do droide), "ajuda a interrogar" o rapaz, mas se cala quando o mesmo fala que tentou ajudar Poe, o droide não confirma nem desmente esse relato de heroísmo do ex-stormtrooper, não atesta nada, só acolhe uma informação que poderia ou não se mostrar verdadeira mais adiante - ou seja, age analiticamente.
   Já o Chewbacca, apesar de não ser humano, ele não é - tal como é sugerido pela carga pejorativa de "um animal" - um reles animal irracional feito um mosquito da dengue ou um bichinho de estimação feito um cachorro adestrado, mas sim um membro de uma espécie sapiente que atende pelo nome "wookie" e que é dotada de civilização própria, língua, tecnologia e história, sendo, no mínimo, equiparável aos homens. Portanto, o Chewbacca, carinhosamente chamado pelos mais íntimos de Chewie, pode sim confirmar ou desmentir o que ele quiser, como qualquer outro personagem pertencente a uma espécie sapiente, oras - e negar isso a ele ou a qualquer outro personagem não humano é um ato digno do Imperador Palpatine (o Darth Sidious) e do Império Galático, que era especista [12], isto é, discriminava seres vivos sapientes que não fossem membros da espécie humana.


- Você entende essa coisa? - Finn, para Han Solo, referindo-se ao Chewie.
- E essa coisa entende você também, então cuidado. - Han Solo, para Finn.



   E só pra deixar claro, quando Chewbacca confirmou para Rey o que Finn tinha feito, não foi para "atestar a sua humanidade" ou porque "um negro precisa ter seus atos heroicos confirmados por outrem", mas sim porque ele estava tentando dar uma força para o rapaz junto à garota. É assim tão difícil de perceber isso? Duvido.




Quinto Motivo





   Sem dúvida alguma, este é o motivo apresentado por Felizardo que é mais coerente e considerável. E, embora eu não deixe de concordar que há uma absurda escassez de pessoas de pele escura nas telonas - e não apenas em "Star Wars" -, penso ser pertinente tentar observar o caso pela lógica do universo ficcional do franquia em questão, puxando isso para a lógica racial estadunidense. Assim, neste segmento, apresento uma explicação que pode ser extraída de uma interpretação de materiais do Antigo Universo Expandido, muito embora eu não saiba se ela ainda teria alguma validade, e falo um pouco do sistema de classificação racial estadunidense.
   Em "Star Wars", tanto os seres humanos que podem ser considerados "brancos" (brancos mesmo, feito papel, do tipo que se estiver sob a luz do sol pode se queimar em questão de segundos) quanto os que podem ser considerados "negros" seriam minorias (obviamente que estou falando em termos de quantidade) dentro da população humana dispersa pela Galáxia, a maioria da população humana sendo constituída por pessoas com pele dos mais diversos tons intermediários entre essas duas cores, isto é, o que nós, brasileiros, consideramos como pessoas pardas [13].
   Essa interpretação pode ser feita a partir de um trecho de um artigo (não muito confiável) da Wookiepedia em inglês [14], cuja tradução (grifo meu) seria algo como:


A gradação do tom de pele também foi vista entre os humanos básicos, geralmente estando limitados a vários tons de marrom, que vão do marrom escuro, passando pelos tons mais claros, à pele pálida. A diversidade na aparência foi vista em muitas populações humanas, e nenhuma característica particular parecia ser rastreável a comunidades isoladas específicas em quaisquer locais. O planeta Socorro poderia concebivelmente ter sido uma exceção, visto que a maioria dos seus habitantes humanos conhecidos parecia possuir a pele e o cabelo escuros.


   A parte grifada - que, basicamente, procura dizer que não existem localidades específicas das quais humanos com determinado tom de pele são oriundos - é exatamente uma das que não estão cobertas por uma referência verificada. A fim de confirmar ou desmentir essa última informação, procurei por coisas sobre Socorro e... O melhor material que encontrei foi uma versão eletrônica de um suplemento lançado para um RPG de "Star Wars" da West End Games, o livro "The Black Sands of Socorro", no qual não encontrei qualquer indício de que em tal planeta haja a predominância ou a ocorrência apenas de humanos de pele e cabelos escuros. Muito pelo contrário, achei que o livro dá a entender - principalmente no texto - que a população humana de Socorro [15] é diversificada, havendo poucas imagens onde se vê apenas nativos aparentemente negros de Socorro - e isso mais para a segunda metade do livro, a imagem mais expressiva disso sendo a seguinte:



Socorranos aparentemente negros (à direita de quem vê),
entregando uma adaga de cristal em Uhl Doaba'i.

   Enfim, (a não ser que eu tenha deixado passar alguma coisa) aparentemente, Socorro não é um planeta de humanos negros, tal ideia provavelmente tendo surgido a partir do aparente fato de que todos os humanos nativos de Socorro conhecidos possuem a pele e os cabelos escuros, como o contrabandista Lando Calrissian e o jedi Qu Rahn.
   Voltando para o trecho do artigo (não muito confiável) da Wookiepedia que eu citei mais lá atrás, é dito que a cor da pele dos humanos está limitada a vários tons de marrom. Vários tons de marrom. Vários.



Basicamente, isso. Note que numa parte há a tendência ao rosa,
isso se dando porque o marrom e o vermelho são cores próximas.

   Agora somemos a isso o fato de que, nos EUA - berço da franquia "Star Wars" -, as considerações raciais são distintas das do Brasil, onde é complicadíssimo definir com precisão quem é o quê, alguém que é considerado branco num lugar sendo visto como pardo noutro, por exemplo.
   Enquanto no Brasil adota-se o critério da aparência - que é deveras subjetivo -, nos EUA adota-se o one drop rule, isto é, a "regra da gota única de sangue", na qual, segundo Kaufmann (2007. p.09) são consideradas negras as pessoas que possuem quaisquer ascendentes africanos, mesmo que eles sejam antepassados longínquos, de maneira geral, sem qualquer limitação, ainda que alguns judiciários estaduais tenham limitado a fixação da ascendência em 8, 16 ou mesmo 32 graus.
   Não apenas esse sistema é mais simples para efeito de ações afirmativas, como faz com que uma pessoa de tez clara - e que no Brasil poderia ser considerada branca - seja, na verdade, negra [15] [16] [17], de modo que, muito embora seja inegável que "Star Wars" cinematograficamente sempre tenha possuído uma escassez de atores de pele escura, o mais sensato seria observar a obra cinematográfica (e mesmo o seu Universo Expandido) não pelo nosso critério racial, mas sim pelo estadunidense [18] - que com toda a certeza deve ter influenciado nos elementos constituintes da franquia.
   Assim, pode-se dizer que, se por um lado é verdade que há pouco vislumbre de indivíduos de pele escura, por outro, é perfeitamente possível [19] que haja mais negros (considerando a one drop rule, não a aparência) do que se imagina entre todos os atores que aparecem no filme. Porém, embora essa possibilidade deva ser considerada, não se pode negar que Hollywood é uma indústria de brancos.
   Por fim, por mais que eu concorde com a observação do autor em relação à escassez de pessoas de pele escura no filme, devo dizer que o único personagem negro em destaque não apenas vale por vários devido à excelente atuação de John Boyega, como "Star Wars - Episode VII: Force awakens" praticamente parece girar mais em torno de Finn do que de Rey, pois, embora ela seja importantíssima, toda a trama só acontece e se desenrola por causa de Finn, e tudo porque ele resolveu retirar o seu capacete sem ter recebido ordem para fazer isso.




Concluindo

   Existe discriminação contra os negros nos EUA. Existe discriminação contra os negros em Hollywood. Obviamente, existe racismo no Brasil, porém valer-se de uma pesquisa não restrita ao nosso país e dados incompletos - já que ninguém do "Melhores do Mundo", como o vídeo deles mostra, procurou os vendedores das lojas para saber do encalhe dos bonecos de 30 cm do Finn - para embasar determinada coisa é uma distorção das coisas. Da mesma forma, sempre deve-se conceder o benefício da dúvida e evitar generalizações, pois, ao que tudo indica, o caso do cartaz chinês pode muito bem ter sido uma desatenção para a delicadeza da coisa, a consideração de que todos os chineses são discriminatórios para com os negros a partir disso sendo um absurdo.
   Também é importante se atentar para coisas que quase passam desapercebidas por conta da comoção gerada, pois não acho que eu seja tão diferentão assim a ponto de ter sido o único a reparar que a descabida denúncia de nudez na foto de uma criança com o boneco de do Finn tenha acontecido exatamente no perfil de um dos proprietários de uma empresa fabricante de brinquedos educacionais voltados para a representatividade. Pode ter sido pura coincidência, mas também pode não ter sido, não sei. Quem sabe? Eu quero acreditar que tenha sido sim apenas coincidência.
   Por fim, acho estranhíssimo que um artigo que afirma que o sétimo filme da franquia "Star Wars" reforma estereótipos negativos do negro não tenha sequer criticado o fato de Finn, o humano negro, ser um stormtrooper do setor de saneamento ou o de que ele, apesar de não se encaixar perfeitamente em nenhum dos estereótipos racistas de Hollywood, isto é, no estereótipo do "negro mágico", no do "negro que precisa que um branco o salve" e no do "negro que não merece uma mulher branca", contém elementos atribuídos aos três, a saber: a incrível ajuda para salvar o dia e a vida de um personagem branco (Rey), característica que é própria do primeiro estereótipo; a miserabilidade e o quase enveredamento para o mal, que são próprios do segundo (escravo-soldado da Primeira Ordem); e a aparente (espero sinceramente que não fique nisso) friendzone em que Rey o colocou, elemento típico do terceiro.






NOTAS

[1] O caso da mulher que alegou ter sido estuprada por pensamento em São Paulo até vem à mente, mas não considero-o nesse exemplo.

[2] Inicialmente, pensei isso, assim como outras pessoas, que chegaram a comentar coisas como "ele 'tá lá, só 'tá menor".

[3] No cartaz ocidental, as fileiras de stormtroopers são vistas de baixo para cima e cada stormtrooper está de perfil, enquanto no chinês elas são vistas de cima e cada stormtrooper está em posição frontal; além disso, no cartaz ocidental, as naves rebeldes parecem estar subindo (ângulo de baixo para cima), enquanto estão descendo no chinês.

[4] Uma das quais (mais especificamente o argumento da falta de atrativos do boneco e como seria interessante o Finn com armadura de stormtrooper) eu vi num comentário numa postagem sobre o assunto num grupo de nerds (Guerras Nérdicas Secretas) no Facebook e não sei se o comentário precede o vídeo ou se é o contrário.

[5] Infelizmente, não salvei essa imagem quando a vi e acabaram apagando-a do grupo em que foi postada. Quem a tiver, por favor, compartilhe.

[6] Digo isso porque, durante a San Diego Comic Con de julho do ano passado, um juiz (Paul Grewal) e dois promotores de justiça (Joshua Gilliand e Jessica Medersen) analisaram, do ponto de vista das leis estadunidenses, vários fatos ocorridos na então hexalogia de Star Wars, dando o seu veredicto sobre eles. Uma das questões analisadas foi se os clones deveriam ser considerados pessoas ou propriedades, eles decidindo, com base no caso da ovelha Dolly, por considerá-los como propriedades.

[7] Horários daqui do Amapá.

[8] No caso, a publicação da foto que foi denunciada e algumas das subsequentes a ela, relacionadas com o ocorrido.

[9] Menciono a história cinematográfica, mas também pode-se falar com segurança da história canônica do Universo Expandido, desde que observado o seguinte: No Novo Universo Expandido de Star Wars (que eu chamo de NUE), Finn é, de fato, o único stormtrooper a abandonar o exército e procurar outra identidade, porém, no Antigo Universo Expandido (que eu chamo de AUE e que está sendo relançado sob o selo "legends") há pelo menos um stormtrooper com feito similar: Alpha-02, apelidado Spar, um clone que despertou memórias de Jango Fett, a matriz genética dos clone troopers, e foi viver como mandaloriano (povo de origem de Jango Fett), chegando a assumir o posto de mand'alore, líder supremo dos mandalorianos.

[10] Leia-se: Como faz muito tempo desde que li o livro em questão, achei uma versão eletrônica para fazer algumas relidas, tomar notas e escrever mais aprofundadamente a respeito.

[11] Existem pessoas de bom caráter, pessoas de mau caráter e pessoas sem caráter. Assim, enquanto essas últimas parecem apenas "fazer volume" ou figuração, tanto pessoas de bom quanto as de mau caráter se importam com alguma coisa, nem que seja só com elas mesmas ou o contrário, com todo mundo, menos consigo mesmas.

[12] No Antigo Universo Expandido, eu ainda não sei como fica isso no Novo Universo Expandido. Quem souber, comente.

[13] Como boa parte dos brasileiros, muitos dos quais, apesar de que muitos se acharem "brancos", são considerados "negros" noutros países.

[14] Original: Gradiation of skin tone was also seen among baseline Humans, usually limited to various shades of brown, ranging from dark brown, through light shades, to pale skin. Diversity in appearance was seen on many human populations, and no particular features seemed to have been traceable to specific isolated communities on any locations. The planet Socorro could have conceivably been an exception, as most of its known Human inhabitants seemed to possess dark skin and hair.

[15] E talvez seja por isso, caro(a) amigo(a) que vez ou outra ou sempre navega pelos mares virtuais da pornografia, que não é incomum que categorias como "black" ou "ebony" (nas quais se espera que só tenha atores e atrizes de pele escura) contenham cenas de filmes nas quais os atores e atrizes pornôs principais possuem a pele clara e seriam facilmente considerados brancos no Brasil.

[16] Salvo engano (ao menos foi uma explicação que já ouvi algumas vezes de pessoas), há grupos do movimento negro que consideram o critério do pertencimento ou da autodeclaração, isto é, se o indivíduo se declara negro, então ele o é, isso permitindo, por exemplo, que alguém com pele claríssima e sem outras características físicas costumeiramente atribuídas aos negros se autodeclare negra, principalmente se puder embasar tal autodeclaração no fato de possuir algum genitor ou antepassado próximo (avô ou avó) com tais características. Para outros grupos, entretanto, negro é quem tem a pele escura, pessoas com pele clara com ou sem outras características físicas costumeiramente atribuídas aos negros sendo consideradas afrodescendentes.

[17] Basta ler a matéria "9 Black celebrities who rejected the one drop rule" (9 celebridades que rejeitaram a regra da gota única de sangue) para perceber que essa regra ainda persiste entre os estadunidenses, os mestiços sendo mais frequentemente identificados (tanto por brancos quanto por negros, visto a reação da supermodelo Naomi Campbell ante à declaração da modelo Devyn) com a "raça" mais socialmente desprestigiada, como aponta o estudo de Arnold K. Ho et al, intitulado "Evidence for hypodescent and racial hierarchy in the categorization and perception of biracial individual", sendo também perceptível que há um esforço por parte de mestiços para se identificarem (assim como parece-em que parte da sociedade estadunidense também procura identificá-los) por meio dos termos biracial (birracial), mixed (misturado, mestiço) ou outros termos que não sejam black (preto, negro) ou white (branco), o termo utilizado pelo golfista Tiger Woods sendo notório: Cablinasian, como Jordan (2014. p.04) explica, é resultado da aglutinação de caucasian (caucasiano), black, indian (indiano) e asian (asiático), tendo sido cunhado por ele porque o esportista tem uma muito variada ascendência.

[18] Afinal de contas, embora haja atores de diversas nacionalidades, o filme em questão é hollywoodiano e pertencente à estadunidense Disney.

[19] Aqui caberia uma pesquisa mais aprofundada sobre cada ator, creditado ou não (o intérprete do stormtrooper que gritou "Traitor!" para o Finn não foi creditado, por exemplo), incluindo a auto-identificação racial deles. Quem quiser e puder fazer tal pesquisa, que a faça. 







REFERÊNCIAS

ABS Staff. 9 black celebrities who rejected the one drop rule. Publicado em: 12 Nov 2013. Disponível em: <http://atlantablackstar.com/2013/11/12/9-black-celebrities-who-rejected-the-one-drop-rule/>. Acesso em: 17 Jan 2016.

BRADT, Steve. "One drop rul" persists. Publicado em: 09 Dez 2010. Disponível em: <http://news.harvard.edu/gazette/story/2010/12/%E2%80%98one-drop-rule%E2%80%99-persists/>. Acesso em: 18 Jan 2016.

CARMELO, Bruno. Chris Rock detona Hollywood: "É uma indústria de brancos". Publicado em: 04 Dez 2014. Disponível em: <http://www.adorocinema.com/noticias/filmes/noticia-110663/>. Acesso em: 18 Jan 2016.

CARPENTER, Nicole. Chewbacca foi interpretado por dois atores em Star Wars: O despertar da Força. Publicado em: 07 Jan 2016. Disponível em: <http://br.ign.com/star-wars-episodes-vii/14304/news/chewbacca-foi-interpretado-por-dois-atores-em-star>. Acesso em: 08 Jan 2016.

CIMINO, James. 10 perguntas jurídicas de "Star Wars" que os nerds jamais pensaram em fazer. Publicado em: 10 Jul 2015. San Diego, EUA. Disponível em: <http://cinema.uol.com.br/noticias/redacao/2015/07/10/10-questoes-juridicas-de-star-wars-que-um-nerd-jamais-pensou-em-perguntar.htm>. Acesso em: 13 Jan 2016.

COSTA, Felizardo Tchiengo Bartolomeu. Star wars despertou a força, mas ainda precisa despertar para uma imagem mais justa e equilibrada do negro. Publicado em: 21 Dez 2015. Disponível em: <http://www.geledes.org.br/star-wars-despertou-a-forca-mas-ainda-precisa-despertar-para-uma-imagem-mais-justa-e-equilibrada-do-negro/>. Acesso em: 13 Jan 2016.

DEARO, Guilherme. China 'esconde' ator negro de cartaz do novo filme Star Wars. Publicado em: 07 Dez 2015. Disponível em: <http://exame.abril.com.br/marketing/noticias/china-esconde-ator-negro-de-cartaz-do-novo-filme-star-wars>. Acesso em: 06 Jan 2016.

EFE. 'Star Wars - O despertar da Força': Cartaz chinês gera críticas de racismo. Publicado em: 11 Dez 2015, 08h27. Atualizado em: 11 Dez 2015, 08h38. Disponível em: <http://g1.globo.com/pop-arte/cinema/noticia/2015/12/star-wars-o-despertar-da-forca-cartaz-chines-gera-criticas-de-racismo.html>. Acesso em: 07 Jan 2016.

Esta foto foi compartilhada mais de 8 mil vezes: motivo está causando BAITA polêmica. Disponível em: <http://www.bolsademulher.com/comportamento/esta-foto-foi-compartilhada-mais-de-8-mil-vezes-motivo-esta-causando-baita-polemica>. Acesso em: 13 Jan 2016.

EVANGELISTA, Raphael. Este garoto se tornou viral ao se identificar com um boneco de Star Wars sem nunca ter visto o filme. Publicado em: 04 Jan 2016; 14h45min. Disponível em: <http://www.buzzfeed.com/raphaelevangelista/este-garoto-se-tornou-viral-ao-se-identificar-com-um-boneco#.cjymj32LR>. Acesso em: 13 Jan 2016.

HO, Arnold K.; SIDANIUS, Jim; LEVIN, Daniel T.; BANAJI, Mahzarin R. Evidence for hypodescent and racial hierarchy in the categorization and perception of biracial individual. In: Journal of Personity and Social Psychology, Vol.100 (3), Mar 2011. p.492-506. Abstract disponível em: <http://psycnet.apa.org/index.cfm?fa=search.displayRecord&id=52E5F7A8-9437-6E73-833D-EC08DE9BCCE4&resultID=2&page=1&dbTab=pa&search=true>. Acesso em: 18 Jan 2016.

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KAUFMANN, Roberta Fragoso Menezes. Modelo de política racial americano não serve ao Brasil. p.09. Publicado em: 10 Jul 2007; 00h07min. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2007-jul-10/modelo_politica_racial_americano_nao_serve_brasil?pagina=9>. Acesso em: 16 Jan 2016.

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MAIA, Thaís. Representatividade negra: Foto do filho da professora do Nesa/Uerj levanta debate sobre o tema. Publicado em: 12 Jan 2016. Disponível em: <http://www.caminhomelhorjovem.rj.gov.br/principal/noticias/saiba_mais.php?idnew=359>. Acesso em: 13 Jan 2016.

MELHORES do Mundo. E o boneco do Finn que ninguém compra? Publicado em: 30 Dez 2015. Disponível em: <https://youtu.be/cCc1c_WCoVo>. Acesso em: 08 Jan 2016.

O QUE tem de bom. Resposta ao MDM e Vlog do Ace - Bonecos Finn e Rey. Publicado em: 05 Jan 2016. Disponível em: <https://youtu.be/Idd49jM-mR4>. Acesso em: 13 Jan 2016. 

ROMARIZ, Thiago. A polêmica dos bonecos de Rey no Brasil. Publicado em: 09 Jan 2016. Disponível em: <http://omelete.uol.com.br/filmes/noticia/bonecos-da-rey-no-brasil/>. Acesso em: 13 Jan 2016.

SILVA, Cidinha da. Por que a foto deste garoto negro com um boneco de Star Wars foi censurada no Facebook. Por Cidinhas da Silva. Publicado em: 04 Jan 2016. Disponível em: <http://www.diariodocentrodomundo.com.br/por-que-a-foto-deste-garoto-negro-com-um-boneco-de-star-wars-foi-censurada-no-facebook-por-cidinha-da-silva/>. Acesso em: 13 Jan 2016.

VLOG do Ace. E o boneco do Finn que ninguém compra? (Resposta ao Melhores do Mundo). Publicado em: 02 Jan 2016. Disponível em: <https://youtu.be/GXrRm8Y43kg>. Acesso em: 08 Jan 2016.

http://www.geledes.org.br/star-wars-despertou-a-forca-mas-ainda-precisa-despertar-para-uma-imagem-mais-justa-e-equilibrada-do-negro/

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