segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Comemorou o tema da redação... E nem tirou nota boa nela!!!

   O presente artigo também poderia ser intitulado "Machistas não passarão, mas, pelo visto, feministas do textão decorado também não" ou "Dos mesmos criadores de 'Machistas não passarão!', vem aí 'Quem foi o machista que corrigiu a minha redação?'", mas não se recomenda fazer títulos muito longos. Enfim, não há aqui uma crítica ao feminismo [1] nem uma defesa ao que se chama de machismo, mas sim - entre outras coisas - uma observação sobre a prova de redação do Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM: A prova de redação visa avaliar o indivíduo enquanto redator e não a concordância ou discordância dele em relação ao tema proposto.






   Lembro que houve muita, mas muita comemoração por parte de pessoas ditas afinadas ao movimento "social" denominado feminismo em relação ao tema da redação do ENEM 2015 (a persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira) e muita preocupação por parte de anti-governistas, anti-petistas, anti-esquerda, anti-feministas e outras pessoas acerca do processo de correção e avaliação da redação. A principal dúvida era: A declaração das feministas, "feministos" e simpatizantes com a causa de que "machistas não passarão (na redação do ENEM)" se cumpriria e somente teria uma nota boa quem fizesse coro ao discurso feminista propagado nas redes sociais?
   Teoricamente - e como conversei, na época do ENEM, com alguns professores que já atuaram como corretores, seria perfeitamente possível alguém ser aprovado mesmo tendo produzido uma redação que trouxesse - por exemplo - a ideia de que boa parte da responsabilidade pela persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira é da própria mulher [2]. Algo que vai de encontro a uma parte do discurso feminista virtualmente propagado, mais especificamente, o de que não se pode ou deve culpabilizar, parcial ou integralmente, a vítima pela agressão sofrida. Essa aprovação seria possível porque o que se leva em conta é o respeito ao regulamento proposto pelo exame e a capacidade argumentativo-dissertativa do candidato, não a concordância ou discordância ideológica dele em relação ao tema proposto.





   Só que muita gente, no momento de euforia por se deparar com um tema pelo qual tem afinidade e julga "fácil de dissertar sobre", provavelmente não levou isso em conta e partiu do princípio de que poderia escrever qualquer coisa de teor feminista (incluo aí muitos autodeclarados anti-feministas) que se sairia muito bem, obrigado, nota 1000. Porém, a redação não era sobre feminismo, não era para defender o feminismo, para "sambar na cara duzomi", escrever palavras de ordem em letras garrafais ou coisas do gênero.
   O resultado disso se viu, está e continuará sendo visto nas capturas de tela de postagens de candidatos pró-feminismo em dois momentos: um imediatamente posterior à prova e outro imediatamente posterior à verificação do resultado da nota no ENEM. Segue algumas dessas capturas (há outras, que foram compiladas em vídeos, como no "Chola mais special edition - Feministas no Enem"), devidamente comentadas:


A pressuposição de que o desempenho ruim se deve
a um corretor machista demonstra bem a noção de muitos
de que a prova de redação avaliaria concordância ideológica...



É bem provável que o primeiro post tenha fundo de verdade,
mas vimos também que empolgação não ajuda, muito pelo contrário...


Capitães Américas entenderão a referência.



Agora, toda vez que você ver esse papo de "você acredita
mesmo num sistema em que toda a capacidade da pessoa
pode ser avaliada numa única prova?", já sabe que é conversa
de quem caiu do cavalo, né?



Claro, vamos desconstruir a Língua Portuguesa, essas
normas arcaicas tem mais é que acabar mesmo
e vamos liberar geral, todo mundo escrevendo como
bem entender! Só que não...



Rapa', entendo que possa ter havido fuga do tema...



Sabe quando você pega a prova e vê um monte de
questões fáceis? Então, certeza que tem pegadinha...
...Quando é assim, melhor maneirar na empolgação!



750 nem é um nota ruim, mas dizer que o desempenho
abaixo do esperado se deve a machismo por parte
do corretor demostra o que disse sob o primeiro print...



É She-tler, não foi dessa vez.



Tem moça que quando está amando é assim:
Até no asterisco rola.



"E nem" o que dizer.



É culpa da deflação, não, 'pera.



Aparentemente, esse tema foi fácil feito uns perfis
de moças muito "fáceis" no Facebook: Cheio de pegadinhas,
pois ou não são moças, ou requerem um investimento monetário
ou são perfis falsos cheios de vírus.



Ora, assim como vez ou ou outra
o lixo pode ser um luxo,
as lágrimas devem ter borrado tudo
e deixado o texto ilegível.



Empolgação que pode levar a falar mais do que se deve
e, como uma coisa leva à outra, a fuga do tema
é quase inevitável.



Rapa', pelo visto não são só certos políticos da bancada
evangélica e muitos pastores que são cismados
com o cu alheio...



Eu queria entender o que deu nesse povo pra querer
tanto falar das mulheres transexuais. Custava ter ido
pelo caminho mais simples? 



Ainda bem que era a nota de natureza e não a natureza
que precisava ser salva.



Deve ter lacrado muito forte, aí arrancaram uns pontos quando abriram...



Há uma primeira vez pra tudo...
Mas a concordância do plural no primeiro post
talvez ajude a explicar o que foi feito de errado...



Tentei fazer um trocadilho de "me too" com
o nome do pokemon "Mewtwo"...



Claro, porque se o desempenho não foi bom...
...Chame o corretor de machista!


   Mas nem só da captura de tela dos candidatos vive essa polêmica digna de Janus [3]...


Este não é o deus Janus, é o Moóck de Triumphus,
um non-player character ou NPC (personagem não-jogador)
do RPG nacional "Tormenta". Coloquei-o aqui por ele ter
duas cabeças como o Janus.

   ...Também teve ao menos uma suposta [5] corretora de redação tendo a tela de um comentário seu na postagem de um amigo capturada e, segundo ela própria informou em seu perfil no Facebook, divulgada por aí sem a permissão dela. Ela alega que tudo bem, que não se importa, que não tem nada a esconder, porém, deveria, pois os mesmos professores (que já foram corretores de concursos públicos e vestibulares não especificados por eles) com os quais conversei (vide o terceiro parágrafo) também me informaram, na época do ENEM, que um corretor de determinado concurso, entre outras coisas, não pode sair por declarando-se como tal, isso trazendo sérias consequências - podendo até mesmo comprometer o concurso inteiro.
   E, para não falarem que inventei isso, vejamos o que o artigo "Curiosidades do vestibular", da Impulso Pré-Vestibular, diz em determinado ponto:


(...) a pessoa que se dispõe ou é escolhida para corrigir ou elaborar as provas deve aceitar um conjunto de regras. Entre elas, jurar sigilo sobre suas atividades e manter sua ligação com a organização em segredo. Tanto na elaboração quanto na correção, os professores se comprometem a não revelar nem uma palavra do que foi discutido e decidido. "As pessoas assinam um contrato e a sua identidade só é conhecida pelas pessoas que organizam o vestibular", afirma Leandro Tessler, coordenador da Unicamp.


   Lembro que conversamos sobre isso por conta de uma indivídua que comentou em determinada postagem que ela era corretora de redação e que quem não fizesse redação de conteúdo ideologicamente afinado ao feminismo não seria aprovado por ela. Descobrimos que a mesma nem formada era, sendo uma estudante de ensino superior se passando por corretora - um dos professores aos quais reportei o ocorrido a denunciou ao MEC, afinal de contas, a coisa poderia ganhar alguma proporção exagerada e comprometer o Exame [4] - que vira e mexe está envolvido com vazamento de gabaritos e coisas do tipo.
   Enfim, o que não conversamos é se esse sigilo por parte do corretor teria validade após a divulgação do resultado do concurso, apenas que ele poderia ser quebrado após o corretor - no caso de um vestibular, por exemplo - não ter mais vínculos com a instituição, porém, em entrevista para O Globo, corretores de redação do ENEM mantiveram o sigilo de suas identidades mesmo após a divulgação do resultado do ENEM 2011 e do ENEM 2012, como pode ser visto nas matérias "Corretor do Enem desabafa: 'Vejo meu trabalho ir por água abaixo'", de 2012, e "Enem 2012: Corretores receberam R$2,35 por cada redação", de 2013.
   Todavia, a captura de tela do comentário em questão (a seguir)...





   ...Não deixa de conter possíveis verdades acerca das provas - ainda que não exista (até onde eu e mais um monte de gente saiba) ABNT/NBR para redação de vestibular. Aliás, jogando no Google "ABNT para redação" você encontra coisas como "normas da ABNT - redação e editoração de trabalhos acadêmicos" ou "normas para redação e apresentação de teses", porém, essa "redação" não se refere ao gênero textual, mas sim ao "ato de redigir" (assim como "correção" é "o ato de corrigir"), nos casos mencionados, "o ato de redigir (e o de editorar) trabalhos acadêmicos" e "o ato de redigir (e o de apresentar) teses".
   A explicação dada pela autora do comentário quando questionada sobre isso foi a de que ela utilizou o termo ABNT para facilitar o entendimento do amigo com o qual ela conversava - só que isso não convence. Primeiramente, porque existe dificuldade até mesmo entre muitos estudantes do ensino superior para saber o que raios é a ABNT, de modo que utilizar tal sigla para facilitar o entendimento é uma coisa deveras surreal. Segundamente, porque seria muito mais simples dizer que "quase ninguém seguiu as regras do exame" [6].
   Enfim, o fato é que muita gente se deixou levar pela empolgação devido ao tema e achou que "estava tudo dominado", o que, consequentemente, deve ter feito os mesmos esquecerem de seguir as regrinhas exigidas e falar tanto ao ponto de tagarelar e acabar fugindo do tema. Agora, a desculpa de que "um machista deve ter corrigido minha redação" só comprova que muitos acreditavam, acreditam e continuarão acreditando que o que se avalia na prova de redação é a concordância ou discordância ideológica com o tema proposto, quando, na realidade, é avaliado o quão bom redator você é.
   Só para finalizar, o G1 apresentou três candidatos que tiraram a nota máxima (1000) na redação do ENEM 2015, a saber: a jornalista paraibana Cecília Lima, de 25 anos; a estudante paraense Júlia Guimarães Cunha, de 18 anos; e, para a surpresa de muitos - que acreditavam que somente mulheres fossem atingir tal pontuação (pura besteria desse povo) [7] -, o estudante Caio koga, de 19 anos.





NOTAS

[1] Seja o feminismo lá dos seus primórdios, onde - nos EUA dos anos 1920 - chegou a ter ligações com a organização supremacista branca Ku Klux Klan - KKK (vide o trabalho da socióloga feminista Kahleen M blee, mais especificamente o livro de 1991, "Women of the Klan: Racism and gender in the 1920's"), ou o feminismo contemporâneo do FEMEN, da Marcha das Vadias e afins.

[2] Obviamente, não sei se uma redação assim chegou a ser produzida e, caso tenha, se chegou a ter um bom desempenho.

[3] Janus é um antigo deus romano - senhor das portas (januae) e dos arcos (jani) - que foi homenageado através da nomeação do primeiro mês do ano, Janeiro - e o seu festival, o Agonium, era celebrado em 09 de janeiro. Assim como Janus era representado com duas cabeças, uma vislumbrando o passado (e ano que se encerrou) e outra o futuro (e o ano que se iniciou), essa polêmica tem uma cabeça em 2015 e outra no presente ano de 2016.

[4] Sem contar que tal comportamento é falsidade ideológica.

[5] "Suposta" porque eu não tenho como ter a confirmação.

[6] Redigir texto dissertativo-argumentativo em modalidade escrita formal da língua portuguesa sobre o tema "A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira", apresentando proposta de intervenção que respeite os direitos humanos, bem como: rascunhar  a redação no espaço apropriado; texto definitivo devendo ser escrito à tinta em folha própria e com máximo de 30 linhas; não fazer cópia dos textos da Proposta de Redação nem do Caderno de Questões, sob a pena de ter o número de linhas copiadas desconsideradas para efeito de correção; ter no mínimo 8 linhas, pois quantidade menor que essa é considerada insuficiente, acarretando em nota zero; fugir do tema ou não atender ao tipo dissertativo-argumentativo também acarreta em nota zero, assim como apresentar proposta de intervenção que fira os direitos humanos ou parte do texto deliberadamente desconectada do tema proposto.

[7] Vi  algumas pessoas alegando que exatamente por isso (bem como para pisar nas feministas ou algo do tipo) que a mídia estaria dando mais destaque para ele, pois, além de ser mencionado nessa matéria, foi o único com nota máxima em redação mencionado noutra matéria, do dia 09 de janeiro, entretanto, o G1 também fez uma matéria sobre a Júlia, e só sobre ela, no mesmo dia.





REFERÊNCIAS

Curiosidades do vestibular. Publicado em: 08 Mai 2013. Disponível em: <http://www.impulsoprevest.com.br/pre-vest/artigos-visualizacao.aspx?ID=15>. Acesso em: 10 Jan 2016.

DANTAS, Caroline. Aluno nota mil em redação do Enem diz que se interessa pelo tema. Publicado em: 09 Jan 2016; 16h50min. Atualizado em: 10 Jan 2016; 11h32min. Disponível em: <http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2016/01/aluno-nota-mil-em-redacao-do-enem-diz-que-sempre-se-interessou-por-tema.html>. Acesso em: 11 Jan 2016.

G1 (Pará). Estudante do Pará alcança 1000 pontos na redação do Enem. Publicado em: 09 Jan 2016; 18h08min. Atualizado em: 10 Jan 2016; 11h18min. Disponível em: <http://g1.globo.com/pa/para/noticia/2016/01/estudante-do-para-alcanca-1000-pontos-na-redacao-do-enem.html>. Acesso em: 11 Jan 2016.

G1 (São Paulo). Enem 2015: Veja alunos com notas máximas em matemática e redação. Publicado em: 10 Jan 2016; 11h46min. 11 Jan 2016; 13h55min. Disponível em: <http://g1.globo.com/educacao/enem/2015/noticia/2016/01/enem-2015-veja-alunos-com-notas-maximas-em-matematica-e-redacao.html>. Acesso em: 11 Jan 2016.

MEC. Caderno de Questões do ENEM - Azul. Disponível em: <http://www.ebc.com.br/sites/_portalebc2014/files/atoms/files/cad_enem_2015_dia_2_07_azul.pdf>. Acesso em: 10 Jan 2016.

NETO, Lauro. Corretor do Enem desabafa: "Vejo meu trabalho ir por água abaixo". Publicado em: 11 Jan 2012; 10h50min. Atualizado em: 11 Jan 2012; 14h04min. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/vestibular/corretor-do-enem-desabafa-vejo-meu-trabalho-ir-por-agua-abaixo-3640827>. Acesso em: 10 Jan 2016.

VIEIRA, Leonardo; DAL PIVA, Juliana; ANDREONI, Manuela. Enem 2012: Corretores receberam R$2,35 por cada redação. Publicado em: 21 Mar 2013; 07h30min. Atualizado em: 21 Mar 2013; 10h33min. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/enem-2012-corretores-receberam-235-por-cada-redacao-7901617>. Acesso em: 10 Jan 2016.

THE EDITORS of Encyclopaedia Britannica. Janus. Disponível em: <http://www.britannica.com/topic/Janus-Roman-god>. Acesso em: 11 Jan 2016.

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