Aquela tarde estava ensolarada e terrivelmente quente, tal fato sendo ainda mais agravado pela esperada, porém negligenciada, falta d'água. "Crise hídrica", diziam os jornais e os políticos. "Fruto da incompetência e da má gestão administrativa", diziam os especialistas, muitos dos quais fizeram parte de algumas das tentativas de alerta que haviam sido feitas aos governos da região sudeste do Brasil.
Somado a tudo isso, o clima político pós-eleitoral mantinha-se tão acalorado quanto no período eleitoral, já saturando muitos e causando preocupação noutros, o governo federal tentando tirar o corpo fora do caso de corrupção na maior empresa estatal brasileira ao mesmo tempo que acusava tentativas de golpe oriundas de todo canto. Enquanto isso, uma parcela da população clamava pela oposição, a qual não conseguia manter esse status após uma leitura atenta.
- São todos farinha do mesmo saco! - bradou o bigodudo homem de mais de trinta anos que vestia apenas uma bermuda que mais parecia uma cueca samba-canção e calçava chinelos de dedo. - Esse papo de pluripartidarismo no Brasil é pura ilusão! Conversa pra boi dormir, pro povo dormir!
- É Jurandir, mas não temos pra onde correr! - disse o homem para o qual o bigodudo dirigira a palavra, tirando os olhos do jornal impresso que lia, cuja capa tratava do caso apelidado de "Petrolão" - E mesmo que tivéssemos, seria mais ou menos como "se correr o bicho pega, se ficar o bicho come".
- E o que mais que diz nesse jornal aí? - perguntou Jurandir, enquanto puxava uma cadeira e se sentava para acompanhar o amigo.
- Lembra daquele super herói, o Inpitman? Pois é, tem muita especulação sobre o retorno dele. Deixa eu ler aqui pra ti:
"Uma cena que tem ocupado cada vez mais espaço nas ruas e nas redes sociais é o clamor de boa parte da população pelo retorno do querido super-herói brasileiro autodenominado Inpitman. Para quem não se recorda desse ser que se tornou um símbolo nacional ou não está familiarizado com a sua história, uma vez que o mesmo desapareceu misteriosamente em fins da década de noventa, relembremos o mesmo.
Há muitos anos, antes do choque nacional pela perda do queridíssimo Ayrton Sena, outro gravíssimo acidente relacionado ao mundo do automobilismo abalou o Brasil e parte do mundo. Estamos falando de uma ainda inexplicada sequência de explosões ocorrida num dos boxes do autódromo de Interlagos, a qual carbonizou cinco dos sete mecânicos da equipe de Fórmula 1 envolvida e deixando um desaparecido (e isso também ainda não está totalmente explicado).
Quanto ao sétimo mecânico, um rapaz de aproximadamente vinte anos etários, ele não só sobreviveu, como surgiu das fumaça e do fogo, que tomavam conta do box, com superpoderes. Ainda hoje, aliás, há muita controvérsia quanto à natureza desses poderes, se eles teriam sido desenvolvidos pelo rapaz por conta das explosões ou do que as provocou (tal como o incidente ocorrido no leste europeu cerca de uma década antes) ou se ele já os teria consigo, em sua carga genética, tendo os manifestado por conta do alto nível de estresse da situação (similarmente a outros indivíduos ao redor do mundo).
Posteriormente, quando o jovem decidiu utilizar esses poderes para combater o crime, a equipe automobilística convertendo-se numa espécie de equipe de apoio a ele e organização não governamental, acabou optando por adotar um codinome e, como explicou em sua conhecidíssima entrevista ‘àquela jornalista’, para tanto, lembrou-se que, ao ser encontrado, consciente e apenas um pouco tonto, por membros de outra equipe, teria ouvido um deles dizer, após percebê-lo em meio à fumaça e ao fogo, a frase There is a man in the pit!
Para quem não tem familiaridade com os termos do automobilismo, "pit" é a designação dada aos boxes das equipes, nos quais os pilotos fazem as paradas conhecidas como "pit stop". A princípio, o rapaz pensou em utilizar "The man in the pit", a fim de ser original, diferenciando-se dos outros superdotados no mundo afora e dos personagens de histórias em quadrinhos. Entretanto, como tal designação é obviamente impraticável, o super-herói brasileiro aceitou o conselho de um amigo e pegou algumas palavras da frase, batizando-se como Inpitman.
Assim, quando esses problemas iniciais pelos quais se imagina que todo super-herói passa se resolveram, o Inpitman fez uma grande e intensa atuação durante a década de noventa, sempre combatendo criminosos comuns e também os supervilões que surgiram ou que já atuavam antes dele aparecer, sempre vestido com a roupa que fazia alusão ao macacão de mecânico de F1 com uma máscara que lembrava a touca dos pilotos. - embora, no princípio, ele tenha chegado a utilizar um capacete similar aos dos pilotos.
Porém, o super-herói acabou desaparecendo misteriosamente em fins da década de noventa, como dito anteriormente, alguns projetos que vinham sendo desenvolvidos pela sua equipe de apoio sendo cancelados ou redirecionados, como é o caso do robô inteligente capaz de assumir a forma de um carro de Fórmula 1 nas horas vagas e que, diz-se extraoficialmente, desempenhará papel importante no combate contra o famigerado Daesh.
A memória sobre o mesmo parecia adormecida, pouco ou nada se falando do super-herói, mas cada vez mais uma parcela considerável da população clama pelo retorno do Inpitman para dar um jeito definitivo naqueles que são, atualmente, os maiores supervilões da nação brasileira: os políticos, em sua maioria.
Esperam os manifestantes que o super-herói dê um jeito na situação, assuma o governo federal e faça as reformas necessárias, posteriormente chamando novas eleições. Entretanto, há outras especulações a respeito disso, muitos duvidando que ele possa realmente resolver os problemas do Brasil. Outros vão mais além e afirmam que tudo isso pode ser parte de um estratagema engendrado por algum supervilão ou mesmo pela antiga associação de criminosos que Inpitman desmantelou, mas que pode estar de volta, isto é, o temido Clã Destino.
No passado, essa organização criminosa foi constituída por supervilões clássicos, alguns dos quais já impunham terror antes do surgimento de Inpitman, como o Urubu, o Calango, as gêmeas com poderes psíquicos Matinta e Perêra, o cruel e perverso Rei Momo, Corpo-Seco e o asqueroso Gabiru. Porém, há indícios suficientes de que os outrora super-heróis Estrela Vermelha (que durante a Ditadura foi considerado criminoso) e Tucano tenham sucumbido à vilania, sendo os mesmos - que também estão sumidos - apontados como os ressuscitadores do Clã Destino”.
- E aí? - perguntou o leitor do jornal ao amigo bigodudo - O que tu achas?
- Bem, não me lembro de ter em momento algum "sucumbido à vilania" nem de ter ressuscitado o Clã Destino. - disse Jurandir - Aliás, aposentei mesmo o meu uniforme de Estrela Vermelha. E você, resolveu voltar à ativa e se juntou com aquela cambada de incompetentes?
- Não! - disse o outrora alter ego do super-herói denominado Tucano - Mas bem que gostaria... De voltar à ativa.
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Conto originalmente publicado no meu antigo blog, "Pulchra Imbecillis", em 13 de fevereiro de 2015.
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