segunda-feira, 30 de maio de 2016

Todo homem é um potencial estuprador?

   Eu pretendia ficar um pouquinho afastado de temas polêmicos, mas, diante da barbárie que veio à tona esta semana, não poderei deixar de falar a respeito. No caso, não falarei do provável [1] estupro coletivo de uma jovem de 16 anos no Rio de Janeiro em si, da mesma forma que não procuro discorrer contra o ato praticado, pois é indiscutível que o estupro é um ato bárbaro e que deve ser recriminado e combatido sempre que possível - creio que pelo trecho anterior, em negrito, eu tenha deixado bem claro que aqui você não encontrará tentativas de se defender o estupro ou julgar quem vem a sofrer estupro. O foco deste artigo é, como o título indica, debater certa generalização que pessoas pró-feminismo fazem e algumas coisas associadas a ela. Por que? Porque eu sou homem e não sou um estuprador, nem em potencial, tal generalização sendo não apenas ofensiva, como perigosa.



O meme mais coerente que eu vi sobre o assunto,
ainda que o estupro tenha sim a atratividade sexual como elemento.


   "Ah, mas se você nunca estuprou ninguém, nem nada do tipo, então não tem motivo para você se ofender com a frase." Essa é a justificativa que eu mais leio por aí nas redes sociais, elas sendo oriundas de pessoas com discurso pró-feminista. Acontece que tal justificativa não faz sentido, pois o princípio basilar da ofensa é acusar o outro de ser aquilo que ele não é ou de fazer o que não fez.
   Agora note que as seguintes acusações generalizadoras "todo índio é vagabundo", "todo preto é bandido", "curdos são terroristas", "umbandista são servos do diabo" e "nordestino é tudo burro" são igualmente enquadradas como crime de racismo por respectivamente praticarem discriminação/preconceito de raça, cor, etnia, religião e procedência nacional. Tais generalizações atentam contra a dignidade da pessoa humana e não se diz para o índio, o preto, o curdo, o umbandista e o nordestino não se sentirem ofendidos diante delas, então, por qual motivo um homem deveria concordar com a generalização?





   "Ah, mas 'peraí Leno, não é lógico que todo homem é um estuprador em potencial? Só o homem que pode estuprar a mulher, hurr durr!" Não, não é lógico e não, não é só o homem que pode estuprar a mulher nem a mulher que só pode ser estuprada. Um homem pode ser estuprado por outro homem ou por uma mulher e uma mulher pode também ser estuprada por outra mulher. Como assim?
   Peguei aqui o Minidicionário Houaiss da Língua Portuguesa, de 2010. Na página 335, pode-se ler o seguinte:


es.tu.pro s.m. crime de obrigar alguém a ter relações sexuais por meio de violência ou ameaça; violação - estuprador adj.s.m. - estuprar v.t.d.


   Ou seja, apesar de só estar dicionarizado o adjetivo e substantivo masculino "estuprador", encontra-se dicionarizado o termo estupro como um ato criminoso que pode ser praticado por pessoas, independentemente do sexo, contra outras de qualquer sexo [2] [3]. Agora, se você acha que estou sendo ridículo por me valer da definição dicionarizada e não da lei que tipifica o estupro, vejamos o que diz a lei 12.015, de 07 de agosto de 2009 e que altera o Título VI da Parte Especial do Decreto-Lei nº 2.848 (de 07 de setembro de 1940).


Estupro

Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.


   Assim, além de estar de acordo com aquilo que o dicionário diz, também tem-se como estupro o não impedimento do ato quando isso seria possível, de modo que não se pode tomar o estupro unicamente como "a introdução forçada do pênis no canal vaginal ou ânus feminino", por assim dizer. Tanto que deixo lincadas algumas notícias diversificadas sobre estupros - nem todas sendo referentes ao Brasil:



Notícias de meninos e homens estuprados por outros homens ou por mulheres

Polícia procura quatro mulheres acusadas de estuprar homem (MOREIRA, Fernando. Publicado em: 09 Abr 2013);
Estrela de reality é acusada de estupro por menino de 13 anos (MOREIRA, Fernando. Publicado em: 17 Jan 2014);
Chinês é preso por 'estuprar' outro homem, mas caba solto (MOREIRA, Fernando. Publicado em: 25 Set 2014);
Ex-cheerleader da NFL é indiciada por 'estupro' de menor (MOREIRA, Fernando. Publicado em: 11 Nov 2014);
Homem diz ter sido estuprado por três mulheres (MOREIRA, Fernando. Publicado em: 07 Mai 2015, 14h34);
Mulher invade casa e estupra homem que estava dormindo (NOTÍCIAS Terra. Publicado em: 18 Mai 2015, 11h30. Atualizado em: 18 Mai 2015, 14h07)
Homem é estuprado por vingança no Paraná (R7. Publicado em: 25 Nov 2015, 11h27. Atualizado em: 25 Nov 2015, 17h39);
Mulher pode pegar 25 anos de cadeia por sexo com adolescente de 14 (MOREIRA, Fernando. Publicado em: 29 Fev 2016, 11h31);
Homem de 50 anos diz que foi roubado e estuprado por trio em gol branco (PORTELA Renata. Publicado em: 09 Mai 2016, 11h47. Atualizado em: 09 Mai 2016, 18h16);


Notícias de meninas e mulheres estupradas (ou quase) por outras mulheres

Americana é detida após tentar 'engravidar' a namorada (MOREIRA, Fernando. Publicado em: 18 Mar 2009, 13h06);

Polícia civil: Presa mulher suspeita de estuprar menina de quatro anos em Mozarlândia (NORTON. Publicado em: 22 Ago 2014);
Tia estupra criança de 2 anos em MS por achá-la 'bonitinha',diz delegada (G1 MS. Publicado em: 15 Set 2015, 19h16. Atualizado em: 15 Set 2015, 19h18);
Professora aparece abusando de criança de 4 anos em vídeo, diz polícia (G1 Rio. Publicado em: 28 Abr 2016, 19h24. Atualizado em: 28 Abr 2016, 20h27);
Babá é presa suspeita de estuprar menina de nove anos em Manaus (ALVES, Jamile, do G1AM. Publicado em: 17 Mai 2016, 13h19. Atualizado em: 17 Mai 2016, 13h19).


   Voltando à generalização estúpida, a falta de sentido da mesma não se dá apenas pela incoerência quanto à definição de estupro, ela também não condiz com a seguinte realidade: Nenhuma pessoa, seja homem ou mulher, é ensinado a ver o estupro como sendo um ato bom e socialmente permitido, muito pelo contrário, tal crime é considerado tão hediondo que os próprios criminosos o recriminam. Todo mundo sabe muito bem o que acontece com estupradores comprovados e com suspeitos de estupro quando eles acabam na mesma cela que outros tipos de criminosos.
   Ah, claro, você pode alegar que eu estou abordando a definição atual, contemporânea e que a "definição clássica de estupro", de que somente a mulher pode ser estuprada e de que somente o homem estupra, devendo necessariamente haver penetração (conjunção carnal), é que se encontra enraizada na sociedade. Nem tanto, nem tanto, primeiro porque a utilização de "estupro" de acordo com a definição "contemporânea" não é de hoje. Por exemplo, num site especializado em assuntos jurídicos, num artigo comentando a nova lei do estupro, consta que "durante muito tempo ouvimos a aberração jurídica de que 'fulano' havia sido estuprado" (CHAGAS. 2009), isto é, mesmo quando a lei considerava que somente mulheres poderiam ser estupradas e homens poderiam ser estupradores, já havia uma noção minimamente condizente com a que existe atualmente.
   E tal noção pode ser ainda mais antiga, vide o que Harper (2001-2016) diz quanto ao verbo da Língua Inglesa rape (estuprar):


Fins do 14º século, "pegar a presa; raptar, tomar à força," de rape (substantivo) e do Anglo-Francês raper (Francês Antigo rapir) "capturar, raptar," um termo legal, provavelmente do particípio passado do Latim rapere "capturar, levar pela força, raptar".
O Latim rapere foi usado para "violar sexualmente," mas apenas muito raramente; a palavra Latina usual sendo stuprare "deflorar, arrebatar, violar," relacionado com stuprum (substantivo), literalmente "desgraça". Significando "raptar (uma mulher), arrebatar;" também "seduzir (um homem)" é do começo do 15º século. em Inglês.


   Dá pra ver que não é um entendimento novo e nem restrito a nós, brasileiros, remontando aos anglófonos a pelo menos até o século XV. E por qual motivo, razão ou circunstância é importante trazer o Inglês para essa discussão? Porque a generalização em discussão se relaciona com uma ideia muito difundida e nascida lá pela década de 70:




A cultura do estupro.

   Não sabe do que se trata? Segue um meme que vem sendo compartilhado por pessoas pró-feminismo a fim de explicar o que seria isso:



O fato de estupradores serem constantemente apontados como monstros, doentes ou anormais não seria uma prova de que a sociedade não normaliza o estupro?


   É inegável a existência de pessoas que acreditam que o estupro é parcial ou integralmente culpa da vítima, embasando sua afirmação em coisas como a roupa utilizada por ela ou determinado comportamento (ex.: Sair sozinha).
   Porém, nesses dias ainda inflamados por conta do ocorrido na zona oeste do Rio de Janeiro, tenho visto um crescente número de pessoas afirmando que a culpa pelos estupros estaria no Funk e em letras incentivadores de estupro, ainda que todas as letras apontadas como exemplo não tragam qualquer alusão ao ato sexual ou outro ato libidinoso não consensual, existindo uma nítida confusão entre "a mulher dotada de liberdade para escolher como, quando, com quem ou quantos transa" e "a mulher violentada sexualmente por um ou mais indivíduos". Não que certas coisas que acontecem dentro dos bailes funk não devam receber maior atenção ou mesmo ser combatidas - Aliás, tais coisas acontecem somente dentro de tais bailes? Elas não rolam entre a "playboyzada" não, né?



Muito fácil "analisar" uma letra por um trecho aleatório...
Em "Baile de Favela", antes do trecho recortado, é dito que "ela veio quente"
o consentimento está lá. E o R7 é o produtor da música em questão.
Em "Os Predador de Perereca" o consentimento é mais explícito ainda,
ficando claro que a musa é sexualmente livre.

Embora tenha ganhado várias versões "leves", "Dom Dom Dom"
também não traz nada que aluda ao estupro, no máximo tendo uma explicitude chocante. 


   Outra coisa que tenho visto com certa frequência é a afirmação de que a seminudez feminina em comerciais seria coisa incentivadora do estupro, como parte da cultura do estupro. Quer dizer que ao ver uma mulher seminua num comercial, filme ou sei lá onde todo homem fica automaticamente condicionado a sair por aí agarrando as mulheres e as violentando? O problema com isso é também o mesmo problema portado pelo apontamento do funk como causa: O tratamento da audiência (o ouvinte, o telespectador, o leitor, etc) como uma massa amorfa, que responde imediata e uniformemente ao estímulo recebido.



Piadas fariam parte da suposta "cultura do estupro"
a não ser, claro, que sejam feitas pelos 'parças,
aí é só piada mesmo, sem nenhum tipo de influência.


   Esse problema, de certo modo relacionado à "teoria hipodérmica da comunicação" [4], se desdobra na conclusão de que "se algo trata de libido ou contém (semi)nudez feminina, logo, é um estímulo que será respondido com a vontade e a prática de estuprar". Nada mais errôneo. Isso porque já se sabe que a mídia, a propaganda e afins não são entidades onipotentes de efeito tão imediato quanto o de uma medicação ministrada através de uma agulha hipodérmica. Por exemplo, boa parte das leituras que fazemos das coisas são direcionadas pelos grupos aos quais pertencemos - e nisso os formadores de opinião desempenham um papel fundamental. E quem são os formadores de opinião?



A Pitty, por exemplo, é formadora de opinião.
Segundo ela, homens aprendem 
- não sei como - que podem estuprar.


   Várias pessoas, indo dos parentes até determinado músico internacional, passando por líderes religiosos, escritores, artistas plásticos, artistas cênicos, blogueiros e youtubeiros. Destes últimos, vi um que acompanho, o Pirulla, mencionar algo que eu só tinha visto em um ou outro comentário pelo Facebook: O tratamento da situação no Congo como sendo "cultura do estupro". Segue o vídeo [5], após o qual retomo o assunto.





   Porém, embora realmente existam pessoas que tratem a situação dos estupros no Congo como sendo uma coisa cultural:


Qualquer congolês pode me dizer que o estupro não é "tradicional". O crime existia no Congo antes da guerra, assim como em outras partes do mundo. Mas a proliferação da violência sexual deu-se com a guerra. Agora, tanto milicianos quanto soldados congoleses usam o estupro como arma. Na ausência de autoridade que a coibisse, a violência sexual assolou o leste do Congo, palco de seguidos combates. Isto não faz do estupro algo cultural; torna-o fácil de cometer. Existe uma diferença entre as duas coisas. (SHANNON. 2010)


   Da mesma forma, por mais que, no Brasil, determinadas áreas em situação de anomia, como é o caso de favelas dominadas pelo narcotráfico, possam estar mais sujeitas à ocorrência de estupros do que outras onde o Estado se faz presente (será? Não dizem que os controladores dessas áreas não toleram o estupro cometido por outras pessoas, executando os estupradores?), isso não significa que o estupro seja cultural, mas sim que a sua ocorrência é facilitada.
   Agora, se ainda assim você considera que a prática do estupro é uma cultura, sendo transmitida/ensinada de geração em geração, então sugiro que você faça o que o meme a seguir diz para ver o quão a sociedade é tolerante e incentivadora de estupros:



A sociedade ensina que estupradores acabam sendo castrados,
tendo coisas enfiadas no rabo e outras partes do corpo e, claro, mortos
tanto pela população quanto por presidiários.




Os Paradoxos da "homenidade" [6] estupradora

   Há ainda uma coisa que deve ser somada a tudo isso aí que foi discutido: Dois paradoxos que surgem quando você considera a generalização de que "todo homem é um estuprador em potencial" juntamente com outros discursos feitos pelas mesmas pessoas que a fazem. No caso, estou me referindo ao discurso que defende a identidade de gênero e ao que defende a adoção de crianças por casais homossexuais masculinos [7].
   Ambos os paradoxos possuem uma base de argumentação lógica, mas este último paradoxo é o mais simples de se entender, ele se constituindo da seguinte forma: Se todo homem é um estuprador em potencial, por qual motivo dever-se-ia permitir que dois estupradores em potencial adotassem crianças? Tão permissão não significaria colocar a criança adota em risco, dobrando a possibilidade de ela ser estuprada?





   Alguém poderia até tentar argumentar que tal generalização não se aplicaria ao homens homossexuais - e eu não duvidaria que alguém o fizesse, já que, quando falam de estupro, só falam da mulher estuprada por homens - mas nós não apenas sabemos que alguns homens homossexuais podem sim cometer (e sofrer) estupros, como tal argumentação funcionaria como confirmação da existência de uma espécie de caçada à heterossexualidade masculina [8]. Ou seja, se você nega a existência de um sentimento e comportamento misândrico por parte de pessoas associadas a movimentos "sociais" e defende que homossexuais masculinos podem sim adotar crianças, então não pode fazer uso da generalização de que "todo homem é um estuprador em potencial", pois estaria sendo incoerente.
   Quanto ao primeiro paradoxo, ele foi exposto pela Ana Paula, ex-jogadora de vôlei, da seguinte forma:





   Vamos lá. Muita gente achou um absurdo esse questionamento, mas ele não é desprovido de sentido, apenas "peca" por não haver um maior detalhamento para os leigos no assunto.
   Antes de tudo, a "identidade de gênero" ou "identidade sexual" não é a mesma coisa que a "orientação sexual" e ambas são diferentes do "gênero" ou "sexo", os três também sendo diferentes do "papel de gênero", mas o que nos interessa aqui são os três primeiros. Basicamente, o "gênero" ou "sexo" corresponde ao aspecto biológico, havendo dois [9], o macho (cromossomos XY) e a fêmea (cromossomos XX).
   A "identidade de gênero" ou "identidade sexual" corresponde ao aspeto psicológico, o esperado sendo que um macho entenda que é um macho (homem) e uma fêmea entenda que é uma fêmea (mulher). Quando isso acontece, quando a identidade do indivíduo está em conformidade com o seu "gênero/sexo", diz-se que ele é "cisgênero". Quando acontece o contrário, isto é, quando um macho entende que é uma fêmea (mulher trans) e uma fêmea entende que é um macho (homem trans), diz-se que o indivíduo é "transgênero".
   Acontece que, se homens e mulheres podem ser hétero, bi ou homossexuais [10], os homens e mulheres trans também o podem. E é esse o ponto, uma mulher trans continua sendo um macho e pode sentir-se sexualmente atraída por mulheres, de modo que surgem os seguintes questionamentos:



  1. Quando se diz que "todo homem é um estuprador em potencial", a referência é ao macho (aspecto biológico) ou ao homem (aspecto psicológico)?
  2. Se a referência é ao aspecto psicológico, então apenas homens cisgênero é que são estupradores em potencial?
  3. Se a referência é ao aspecto biológico, então mulheres trans também representam um perigo de estupro em potencial paras as mulheres cis?



   E, então, chegamos às perguntas condizentes com a que foi feita pela ex-jogadora de vôlei:



  1. Se, quando se diz que "todo homem é um estuprador em potencial", está sendo feita referência ao aspecto biológico, ao macho (cromossomos XY), de modo que as mulheres trans também representam um perigo de estupro em potencial para as mulheres cis, então o que deve ser feito com as mulheres trans que querem usar o mesmo banheiro das mulheres cis?
  2. A utilização de banheiros femininos por mulheres trans não estaria colocando as mulheres e meninas cis em risco, já que poderiam ser estupradas por mulheres trans que se sintam atraídas por elas?



   Viram como faz sentido? Sim, alguém poderia argumentar que a generalização só valeria para homens cisgênero, mas tal argumentação nos leva para aquela do outro paradoxo, onde a coisa só valeria para heterossexuais, de modo que, no fim das contas, a generalização diria respeito ao homens cisgênero heterossexuais - e, se alguém cair na besteira de argumentar isso, estará confirmando todo aquele negócio que os fanáticos defensores da "ditadura gay" e da "héterofobia" falam por aí.




Concluindo

   Embora eu tenha me estendido mais do que o planejado, ainda tem muita coisa que poderia ser falada a respeito desse assunto. Entretanto, vamos encerrar logo o artigo.
   Como deu para perceber (espero), não apenas a generalização de que "todo homem é um estuprador em potencial" não faz sentido, como a ideia de "cultura do estupro", associada a ela, também não. Aliás, se formos considerar os argumentos e lógica acerca da "cultura do estupro" em conjunto com a definição de estupro vista no presente artigo, então, se fosse para haver uma generalização, seria a de que "toda e qualquer pessoa pode cometer um estupro contra qualquer outra pessoa" - mas isso jamais seria minimamente cogitado pelo simples fato de que a ideia mainstream dos defensores da existência da "cultura do estupro" (D.E.C.E.) é a de que só o homem pode estuprar e só a mulher pode ser estuprado, sendo que, se algum deles admitir a possibilidade de um homem ser estuprado, continuará defendendo que somente homens estupram.
   O problema nisso aí, e que os D.E.C.E. parecem ou fingem não perceber, é que o discurso implícito acaba sendo de natureza sexista e mais especificamente misândrico, onde todas as mulheres (e também os homossexuais masculinos, no caso do D.E.C.E. crentes de que somente a mulher pode ser estuprada) são vistas como seres incrivelmente evoluídos, não havendo a menor possibilidade de que uma delas cometa um ato tão hediondo quanto o estupro, enquanto tal coisa seria da natureza do homem, esse ser involuído e demoníaco, maligno por natureza. É um discurso implicitamente supremacista e misândrico, perfeitamente condizente com o que se lê no Manifesto SCUM: Uma proposta para a destruição do sexo masculino, escrito por Valerie Solanas e publicado em 1967, e corroborado pela falta ou pouca quantidade de "textões" em relação a estupros cometidos por mulheres, como nos casos acontecidos esse ano no Rio de Janeiro e em Manaus.
   Disso, pode-se concluir que, para as pessoas concordantes com a generalização em questão, o estupro - a violência sexual - só é condenável se praticado por um homem. Às mulheres, a sororidade.
   Por fim, tem quem não concorde com a comparação ou a redução dos estupradores à condição de "animais", alegando que os demais animais não fazem essas coisas. Porém, você se lembra do caso do estupro de pinguins por focas?



Lembra disso?


   Então, a coerção sexual - entre outras coisas repudiáveis - é bastante corriqueira na natureza, ocorrendo entre lontras (que também estupram filhotes de foca até a morte e depois dela), pinguins e golfinhos, estes últimos chegando a se organizar em bandos para estuprar coletivamente uma fêmea ou outro macho. O estupro é uma bestialidade. 









NOTAS

[1] "Provável" porque eu não posso afirmar e provar que foi ou não foi, isso cabendo à polícia. Atualização (02 de junho de 2016): O estupro já é dado como um fato, recomendo a matéria "7 respostas sobre o estupro coletivo no Rio" e faço uma consideração que eu havia esquecido. A imprensa costuma utilizar-se do termo "suposto" antes de "estupro" em matérias por dois motivos, o primeiro sendo porque a lógica da justiça ocidental é a de que todo mundo é inocente até que se prove o contrário (ainda bem, já pensou se bastasse alguém te acusar de alguma coisa para você ir imediatamente preso, sem direito sequer a defesa?), enquanto o segundo se dá porque existem casos onde mulheres, por diferentes motivos, mentiram sobre terem sido estupradas (desconheço, ainda, casos de homens que tenham mentido a respeito, mas há igual possibilidade), colocando em risco a vida do(s) suspeito(s) do crime. Como exemplo disso, deixo lincadas as matérias "Estudante admite que mentiu sobre estupro na UFGD, diz delegada" e "Teenage girl admits making up migrant rape claim that outraged Germany", além da "O caso Escola-Base, 20 anos depois", que trata do caso ocorrido em São Paulo em 1994 e que é muito emblemático quanto a essa questão.

[2] Não, a zoofilia não é considerada "estupro de incapaz" ou algo do tipo. Considerada pelos psicólogos como uma perversão e pelos psiquiatras como uma parafilia (desordem da preferência sexual), a zoofilia ainda não é considerada crime no Brasil, mas o Projeto de Lei 7.199/10, do deputado Sarney Filho (PV - MA) e apensados, prevê a criminalização da prática como inciso na Lei de Crimes Ambientais (9.605/98). Penso que faça sentido que a criminalização da zoofilia se insira em tal lei e não na que tipifica o estupro, já que os demais animais não são considerados pessoas, logo, não podem ser considerados "alguém", mas sim "algo".

[3] Não existe "crime de pedofilia", que a mídia televisiva adora mencionar, como aconteceu no "Olha a Hora". O que existe é o "estupro de vulnerável", que se dá com menores de 14 anos completos (rcrianças e pré-adolescentes). O sexo entre um maior de idade e alguém maior de 13 anos e menor de 18 anos completos (adolescentes) é permitido pela lei, desde que seja mutuamente consentido e não envolve troca material de algum tipo. Se não houver consentimento do adolescente, então acontece o crime de "estupro (de menor)". Se houver houver algum tipo de troca material pelo ato (o sexo em troca de um celular, drogas, dinheiro, etc.), então acontece o crime de "abuso de menor".

[4] Recomendo a leitura do artigo "A Teoria Hipodérmica da Mídia", de autoria do Gian Danton.

[5] Há ainda outro vídeo, complementar, "Existe justificativa boa? (#Pirula 161)".

[6] Termo empregado em comerciais do desodorante Old Spice, como em A História da Homenidade: Cap. 01 - A História do Fogo.

[7] Não estou nem aí se uma criança é adotada por um casal heterossexual ou homossexual, desde que a criança seja adotada.

[8] Não digo que exista uma tentativa de implantação de ditadura gay ou uma caçada aos heterossexuais, porém, já me deparei com várias situações onde pessoas autodeclaradas "de esquerda" e pertencentes ou simpáticas a determinados movimentos "sociais" nítida e grotescamente faziam uma confusão entre a heterossexualidade masculina ou a sua demonstração (Ex.: Compartilhamento, em grupos ou no próprio perfil, de uma foto de uma mulher seminua acompanhada de alguma legenda condizente ou mesmo brincalhona sem ser ofensiva, depreciativa ou nojenta) e o machismo & misoginia, de modo que a autodeclaração de ser um homem heterossexual ou a demonstração disso eram/são tomadas como machismo & misoginia. Para quem não sabe,  machismo é "a crença de que o macho é naturalmente superior à fêmea, motivo pelo qual esta não deve ter determinada participação na vida pública (direitos e deveres) nem ocupar determinadas posições", enquanto misoginia é "a aversão ou o ódio às mulheres".

[9] Há quem defenda, como a bióloga feminista Anne Fausto-Sterling, que, na verdade, são 05 (cinco) sexos, cada "sexo" ou "gênero" correspondendo aos seguintes conjuntos de cromossomos sexuais: XX (fêmea), XY (macho), XXY (Síndrome de Klinefelter), XXX (Super-fêmea) e XYY. (Super-macho).

[10] Há ainda e pelo menos os assexuais.





REFERÊNCIAS

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SILVA, Karlla Patrícia. Síndrome do Super-Macho e da Super-Fêmea. In:___. Diário de Biologia. Publicado em: 31 Out 2009, 05h10. Disponível em: <http://diariodebiologia.com/2009/10/sindrome-do-super-macho-e-da-super-femea/>. Acesso em: 30 Mai 2016.

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